
Por trás das nossas leis, às vezes, carregadas do críptico juridiquês, usado por nossos legisladores e juristas, se escondem as aspirações e expectativas, tanto positivas como negativas, da nossa cultura. Por isso, quando consideramos as leis que mais se aplicam ao livro, em especial os Artigos 5° e 220°, é muito representativo que o direito à livre expressão, os direitos autorais e os princípios da dignidade da pessoa humana se apresentem como os norteadores da nossa atividade editorial. A lei, nesse caso, não só regula um mercado ou uma atividade, mas principalmente estabelece uma vocação: a livre manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da disseminação de informações científicas, políticas e artísticas.
Nesse âmbito, o livro é um veículo que estabelece relações dentro da sociedade entre três principais atores: quem o escreve, quem o edita e divulga, e quem o lê. A lei e sua aplicação têm como propósito moderar essas múltiplas relações concedendo aos envolvidos respeito às suas individualidades, preservando sua dignidade e lhes permitindo a livre disseminação de suas ideias. Por isso, quando os conflitos se estabelecem nessas relações, o Estado ou os próprios indivíduos se movimentam juridicamente para equilibrar interesses, ganhos e prejuízos. E é justamente no âmago desses conflitos que os não ditos da lei e da nossa cultura se apresentam.
Encontramos, assim, embates sobre a definição de autoria nas discussões sobre plágio, buscando resguardar os direitos patrimoniais e morais das verdadeiras criadoras das obras; sobre a censura, o direito à privacidade, ao esquecimento e à dignidade quando os conteúdos dos livros atacam ou geram prejuízos a pessoas ou grupos sociais; e até sobre os limites da utilização dessas criações por terceiros, seja no que se refere a obras derivadas ou mesmo da sua utilização como elemento de referência técnica ou científica, paródia ou paráfrase. Fica claro que a origem dos litígios suscitados pelas obras é a sua rica e mutável subjetividade, que pedem pelo julgamento e definição das exceções que permitirão o cumprimento da sua missão de disseminar o conhecimento e arte humanas.
Apesar de parecerem óbvias e naturais, precisamos entender que as leis estão em constante evolução pois a sociedade, as tecnologias, e os costumes também mudam. Por exemplo é isso o que explica porque em alguns países o copyright, o direito às cópias, com foco predominantemente comercial e voltado à monetização da propriedade intelectual é a regra, enquanto aqui é o direito autoral, com toda a sua carga imaterial, que se estabelece.
A princípio, as leis podem parecer complicadas e servir apenas como ferramentas de ganho próprio àqueles que se propõe a dobrá-las aos seus próprios intuitos, mas se as encararmos como o sistema operacional no qual a nossa sociedade, e, nesse caso, todo o complexo campo editorial do qual fazemos parte, acordaram funcionar, poderemos nos imbuir dos propósitos que elas nos entregam conceitualmente para dirimir os conflitos do presente de forma racional e ordeira, e questionar os nossos caminhos futuros para a construção de uma nação que escreve, edita e lê com aspiração, inspiração, e, porque não?, segurança jurídica.
