Ensaios

Por que não estou indignado

Pelo que me dizem, o povo está indignado. Ouço pedaços de conversas nos botequins, leio bravatas na internet, vejo as manchetes nos tabloides e assisto a declarações nos telejornais. In-dig-na-ção. Por toda a parte. Como puderam roubar TANTO? Como fizeram isso com A GENTE? Como traíram a NOSSA confiança? Entendo o sentimento, mas não consigo ficar indignado.

Explico. Indignação requer surpresa.

– Como você pôde fazer ISSO comigo?
– Eu nunca pensei que VOCÊ fosse capaz disso.
– Quase não acreditei quando me contaram o que VOCÊ fez.

Indignação é uma sensação que depende de uma expectativa positiva sobre algo que posteriormente se mostra errada. Inesperadamente. Indignação requer esperança num mundo melhor. Uma esperança que eu nunca tive. Uma esperança que nunca terei.

Nunca esperei que o governo, ou qualquer instância de poder, fosse capaz de algo mais do que advogar e agir em ganho próprio. Nunca considerei que os Joões e Joanas Honestos das campanhas políticas fossem probos, bem intencionados ou, pelo menos, competentes. Nunca imaginei que um sistema tão não natural visasse o bem comum. Nunca confiei nos outros seres humanos.

Explico. Sou um ser humano também.

Apesar de não ser motivado pela Ira, Inveja, Soberba ou Avareza, sou guiado pelos outros 3 pecados capitais: Gula, Luxúria e Preguiça. Principalmente preguiça. Sou afeito a sensações. Todos os seres humanos são. Somos todos PECADORES.

Ao invés de esperar que o nosso caminho natural seja a bem aventurança, aprendi, desde cedo, que somos apenas guiados pelos nossos erros. Pelos nossos pecados preferidos. Se dermos a chance de alguém comer muito, encontraremos Glutões. Se mostrarmos riquezas, atrairemos Avaros. Se oferecermos poder apenas alimentaremos os Soberbos.

Nunca me surpreendeu que políticos, empreiteiros, ou milionários pensassem em algo mais do que dinheiro. Nunca imaginei que, dada a oportunidade de usar o poder, seres humanos fariam algo mais do que se locupletar. Nunca imaginei que a mão que afaga não quisesse matar com a mesma doçura.

Por isso não me indigno. Pois não perdi minha dignidade. Quem perdeu foram eles e quem os apoiou. Por isso não me indignarei quando os salvadores da pátria de hoje com certeza absoluta se tornarem os vilões do amanhã, como os vilões de hoje já foram os salvadores da pátria de outrora. Por isso não me indigno. Pois não dei, nem vendi a minha dignidade a ninguém. Pois a minha dignidade só pertence a mim e não a países, partidos, profetas ou pessoas. A minha dignidade sou eu.

Por isso não estou indignado e por isso, acredito, você não deveria perder a sua dignidade também. Afinal se há algo que ninguém pode tirar sem o nosso consentimento é a nossa dignidade. E se você, no seu grito de horror, declara aos quatro ventos estar indignado e ser indigno, tenho certeza que se sente culpado pelo mal que nos fazem passar. Tenha feito algo ou não. Mas isso não interessa mais, pois se você está indignado a culpa é só sua.

Eu não estou indignado. E você? Está?

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