Nesse período natalino, é só ligar a televisão para esbarrarmos com a onipresença de Roberto Carlos. Quando não temos a sua decrépita imagem na tela, são artistas da moda bajulando-o com frases feitas em forma de oração; ou novas estrelas da música ofertando ritualmente a sua energia vital ao cantor moribundo; ou jornalistas tentando inutilmente nos convencer da importância que ele nunca teve; ou subcelebridades que não conseguiram participar desse funeral anual lamentando estarem fora dessa festa nacional.
A onipresença de Roberto Carlos, na comemoração do nascimento de Cristo, é bem pertinente e serve como um belo contraponto, pois, como a comemoração do aniversário de alguém que já morreu há dois milênios, se trata do velório eterno de uma ideia que se recusa a morrer. Uma ritual de negação que nos impede de fechar o luto pela morte do tal proclamado “rei”.
Roberto Carlos, assim como a ditadura, sua irmã gêmea espiritual, morreu em meados dos anos 80. Mas, ao contrário dela, se manteve em coma, sustentado por aparelhos, por mulheres gordinhas, de óculos e por caminhoneiros, até que voltou a uma não vida e vaga pelos nossos natais e transatlânticos como um zumbi, evocando sentimentos de melancolia e saudades de controle. Cultuar o rei, assim como cultuar a ditadura, é acreditar numa nostalgia inútil e sadomasoquista. Se a ditadura fingia que iria nos ensinar a crescer e votar, apud Pelé, Roberto Carlos fingia que ia nos ensinar a amar.
Com sua postura pseudo sexy e sua manifestação ostensiva de uma masculinidade de romance barato, ele criou o AI-5 do romantismo. Promovida por esse arauto da ditadura emocional toda uma cultura de cafés da manhã, cavalgadas, cabelos encaracolados e metáforas sexuais de botequim se formou. Presos a essas crenças, passadas de pai e mãe para filhos, continuamos infantilizados e sem autonomia para escolher como amar. Assim como ainda não entendemos a democracia e esperamos que a salvação venha de políticos, ainda continuamos proferindo as músicas do “rei” como uma oração em busca do amor que acreditamos não merecer.
Precisamos nos livrar dessas saudades do macho alfa da ditadura. Precisamos destruir esse ícone psicosexual do mau caratismo bem intencionado. Precisamos saber que fomos e ainda somos vítimas de um esquema para tornar a todos nós vítimas e canalhas. Como a ditadura não nos ensinou a crescer, Roberto Carlos não nos ensinou a amar. E, enquanto continuarmos ritualizando a sua não morte todos os anos, não seremos livres para cometer nossos próprios erros e continuaremos a acreditar que o amor, a liberdade e a maturidade emocional são coisas que estão nos outros e não em nós mesmos.