Desde que as opiniões de pessoas vivas foram tornadas ilegais, não houve expectativa maior pela morte de um potencial pensador do que a de Gaius Marcus. Seus admiradores, num paradoxal misto de eros e tanatos, adoravam sua companhia silenciosa e calorosa, ao mesmo tempo em que ansiavam pelo momento em que ele morreria num acidente- as mortes naturais não eram mais naturais-, ou por vontade própria, e poderiam ouvir o que ele extraiu da experiência da vida.
Décadas se passaram e o seu silêncio sincero e sábio só exacerbava essa antecipação. Mesmo sabendo dos riscos de os vivos proferirem suas ideias em voz alta, correndo o risco de se tornarem párias em vida, ou de promoverem uma polarização indesejada na frágil coletividade humana, alguns, secretamente, óbvio, se perguntavam se não já estávamos maduros o suficiente para falar o que pensamos, e ouvir os pensamentos que os outros tinham a compartilhar. Movidos pelo medo de repetir o nosso triste passado de conflitos e violência sem sentido, esses poucos afoitos controlaram suas ansiedades, não se manifestaram, e esperaram pacientemente pelo dia em que, após o cessar de suas funções vitais, as ideias de Gaius Marcus seriam divulgadas.
Demorou alguns séculos, mas esse dia chegou. Sem aviso, Gaius Marcus se dirigiu às plêiades obtuárias, e deixou sua forma física se dissolver para retornar ao caldo primordial da criação. Excitados, seus seguidores rumaram com pressa às planícies ecoantes onde, das trombetas neurais, seus pensamentos, agora póstumos, e, portanto, legais, seriam espalhados aos 7 ventos cósmicos. Depois de um aparentemente eterno momento de espera, sua voz clara e segura, depois de um breve pigarro, resumiu toda a sua reflexão sobre a existência em uma só frase:
-Eu não sei. E você?