Sem o conhecimento de seus devotos, os deuses, sob carnes mortais, uma vez a cada cem anos, viviam por um dia sobre a Terra para tentar entender o que experienciavam aqueles que os temiam.
Nessas oportunidades, eles sentiam calor e frio. Nessas oportunidades, eles sentiam medo e paixão. Nessas oportunidades, eles se extasiavam com a vida e se desesperavam com a morte; dois conceitos que nunca poderiam experimentar enquanto divindades.
Nessas oportunidades, com os pés nus sobre a terra, e as cabeças descobertas sob os céus, eles podiam entender como era não estar lá, nem cá; eles podiam entender a dor e o prazer de serem provisórios, efêmeros; de serem os que podem não ser e, ao mesmo tempo, são.
Nessas oportunidades, todos eles aproveitavam para lançar suas sementes sobre a Terra, na forma de monumentos, histórias, canções, ideias, ou, mesmo, descendentes. Criavam com isso os laços que não os deixariam esquecer que os palácios etéreos, de onde comandavam o universo, não passavam de construções emocionais cimentadas pelos grãos gerados pelo que a humanidade planta, todos os dias, com suas preces, súplicas e devoções.
Nessas oportunidades, aqueles que estavam além do tempo aprendiam a florescer, a primaverar. Contemos os nossos grãos.