Quando chegar nas Barcas, ela responderá aos insistentes pedidos dos amigos para sair na primeira noite do feriadão com um enfado ensaiado: “Esse FDS não dá, gente. Vou ter que visitar os meus pais. Mas devo voltar logo. Affff. :-/”.
Passará pela catraca como se nunca tivesse deixado de morar na ilha, e cumprirá o seu ritual alimentar pré-embarque: um misto quente gorduroso e uma coca normal.
A Barca chegará, ela aguardará as prioridades embarcarem e irá para o lado esquerdo do segundo andar para acompanhar a vista do Rio enquanto se movimenta pela Baía de Guanabara.
Quando a Barca passar por debaixo da Ponte, instintivamente tirará uma foto e postará nas suas redes sociais, com a mensagem: “Partiu Ilha”. Esse aviso servirá tanto aos amigos para não procurá-la, como aos pais para irem buscá-la.
A viagem será, como sempre tranquila, mas ela, como sempre, contará, como carneirinhos, a quantidade de coletes salva vidas visíveis.
Quando a Ilha estiver à vista, os visitantes de primeira viagem, pouco acostumados com suas belezas, irão para as janelas apreciar a mini torre da Mesbla, a praia da Imbuca, o Iate Clube, ansiosos por pisar logo em suas terras. Ela, também ansiosa, resistirá à tentação de agir exatamente como os visitantes.
A Barca atracará e ela já poderá ver os pais acenando da praça. Com um enfado ensaiado, ela suspirará alto para que os que a cercam na Barca ouçam seu falso desagrado.
Assim que sair da Estação, ela será beijada, abraçada, e soterrada de perguntas dos pais:
— Como está? E os estudos? E o trabalho? E a casa nova? E os amigos? E o amor?
Fazendo sua melhor imitação de si mesma adolescente, ela vai responder:
— Tudo bem. Normal. Legal. OK. Bem. Ai, que brega, vocês…
Pra não perder a tradição, mais uma surpresa. Em vez de pegarem um Tuc Tuc para chegar na casa dos pais, o pai mostrará, todo orgulhoso, o Tuc Tuc que comprou para circular por conta própria na ilha. Ela revirará os olhos e suspirará num discreto exagero:
— Vocês têm cada uma…
Ela sentará com a mãe na parte de trás e o pai as conduzirá pela orla. Pra aproveitar esse primeiro passeio, não irão direto para casa, mas passarão por todas as praias. Pela Imbuca, pela Coqueiros, pela Moreninha, e pararão na praia José Bonifácio para comer um pastel e tomar um mate. Quando retomarem o trajeto e passarem na pedra dos namorados, a mãe irá cutucá-la.
— Ai, mãe, me deixa.
Chegarão na casa sempre em construção. Aberto o portão, os gatos, velhos amigos, a reconhecerão e esfregarão seu cheiro em suas pernas. Isso a fará sorrir. Um pouco, mas o suficiente para que os pais notem.
A mãe arrumará suas coisas no quarto e irá mostrar todas as novidades que fizeram na casa desde que ela veio da última vez: o chuveirão perto da piscina, a sala de TV do lado da biblioteca, e uma extensão do galinheiro que os gatos adoram invadir. Os pais, surpresos com o tanto que construíram e sem o menor sinal de soberba, só dirão:
— Caramba, você tem que vir aqui mais vezes…
Ela concordará, mas não dirá nada pra não dar o braço a torcer.
O pai servirá seu famoso chili, contará velhas histórias que fazem todos rirem e chorarem, e eles comerão até se fartar. Depois do jantar, observando as estrelas se moverem preguiçosamente, eles ficarão conversando no quintal sobre tudo o que ela disse que não queria falar a respeito: sobre como ela está, sobre o estudo, sobre o trabalho, sobre os amigos e até sobre os amores. Enfim, sem perceber, ela dormirá encostada no ombro da mãe, como fazia quando criança. O pai, apesar das costas, da idade, do joelho, das articulações, e de tudo mais que poderia impedi-lo, a levará no colo até a cama. Ela fingirá dormir por todo o trajeto.
A mãe a cobrirá, lhe dará um beijo na testa, e fechará a porta.
Quando perceber que está realmente sozinha, ela pegará o celular e mandará, sorrindo, mais uma mensagem de enfado ensaiado aos amigos: “Pô, gente, o lance aqui pegou. Acho que vou ficar o feriadão inteiro nos meus pais. Que saco. Aff. :-/”