Ensaios

Um feliz fim do mundo pra você

Enfim, o fim do mundo chegou. Já estava mais do que na hora. Desde os meus 5 anos, nos estertores da guerra fria, quando a situação esquentava com a invasão do Afeganistão e tal, eu esperava por esse momento. Minha mãe, do alto do seu treinamento paz e amor nas praias do Arembepe, me instruía:

– Meu filho, se tiver uma luz muito forte, não olhe para ela. Esconda-se atrás de algo de metal, de preferência, e, assim que o clarão acabar, tente juntar o máximo de comida enlatada e água engarrafada que conseguir. Ah, e não esqueça das pilhas, né? Como é que a gente vai viver depois do fim do mundo sem pilhas, não é mesmo?

-Vai comprar as pilhas!- Tô indo, mãe!
-Vai comprar as pilhas!
– Tô indo, mãe!

Como? Não sabia que o mundo podia ter acabado naquele momento? Pois é, podia. Como podia ter acabado em diversos outros momentos. Podia ter acabado com a passagem do Cometa de Halley (essa foi pífia, nem o cometa deu pra ver direito). Podia ter acabado com o confisco da poupança (tenho um amigo que tem pesadelos com a Zélia até hoje). Podia ter acabado com o começo da 1a. guerra do Golfo (de nada valeram as horas acordado assistindo CNN após o prazo dado pelo Bush pai pro Sadam sair do Kuwait). Podia ter acabado depois das torres (quando acreditei piamente que Roma estava caindo, mas não caiu… ainda). Podia ter acabado em todas as datas triplicadas (coisa brega, mas interessante). Podia. Podia. Podia. Mas não acabou.

Vamos ver se agora a profecia se cumpre e esse mundo se vai de uma vez. A única coisa que me deixa ansioso é saber como será o mundo que virá. É. O mundo que virá. Ou você achava que o mundo vai acabar e ponto final? O mundo (o seu, o meu, o nosso) pode acabar, mas O MUNDO continua. Além do mais, tem vários tipos de fim do mundo e nem todos incluem a destruição da Terra, da raça humana, ou mesmo de você, sujeitinho egocêntrico. O mundo pode acabar e tudo ficar do mesmo jeito no dia seguinte. Ou quase.

Pode acabar o mundo do capitalismo (podemos simplesmente desacreditar do dinheiro). Pode acabar o mundo da violência (precisaremos aprender a viver num mundo de paz). Pode acabar o mundo do culto às celebridades (esse espero com fervor). Pode acabar, infelizmente, o Mundo Mágico do Beto Carrero (algo que lamentarei muito, pois gostaria de tê-lo conhecido antes do fim).

O fato é que o mundo acaba toda hora e a gente nem liga. As pessoas perdem empregos, arrumam novos trabalhos; casam, separam; tem filhos, os veem se mudar de casa; começam a ler livros, os terminam com pesar. O mundo é feito de fins e inícios. O mundo é feito de mudanças. Enfim, o fim, propósito e objetivo do mundo é mudar. Acabar e começar. De novo. Mais uma vez.

Por outro lado, a véspera do fim do mundo alardeada publicamente tem vantagens extras que os fins de mundo costumeiros não tem. Hoje, você pode apressar o fim do seu mundo atual e o início do próximo. Sem culpa e com pretexto. Pode finalmente se declarar pra pessoa que ama, mandar seu chefe às favas, comprar uma porrada de material de pintura e dar a primeira pincelada na sua futura obra de arte. Hoje, você pode, amparado socialmente, se preparar para o início do seu próximo mundo. O mundo do amanhã. A pergunta é: por que você não fez isso antes, hein? Aposto que foi medo. Mas, fique tranquilo. Isso normal. Só não podemos deixar o medo nos controlar, como a esse povo doido que, com medo de morrer no fim do mundo, quer se matar. Vê se pode.

Em todo caso, fica a lição: da próxima vez vê se não depende de um evento (fim do mundo, do ano, formatura, ganhar na loto, etc) pra acelerar o seu processo de transformação.

Bom, um excelente fim do mundo e não esqueça das sábias palavras do Doutor Osterman, a.k.a., Manhattan: “Nada acaba”.

Bom, pra ele é mais fácil falar.
Bom, pra ele é mais fácil falar.

Agora, com licença, que eu vou alí comprar as minhas pilhas.

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