Ensaios

Bom mocismo Zona Sul

Sábado. 9 e 57 da noite. Os bares na orla de Copacabana estão lotados. E com fila de espera. O menino que vende chiclete usa isso a seu favor, enquanto dribla os garçons que insistem em espantá-lo. Vende um chiclete aqui, leva um passa fora alí, consegue rodar um salão de restaurante inteiro sem ninguém importuná-lo. Fatura. Devagar, mas bem. Os seus minutos são cheios de altos e baixos. Não há tempo para lamentar nem para comemorar. Só há tempo para agir.

Entra em mais um bar. Os garçons ocupados com o movimento não o notam. Avança pelas mesas. Não. Não. Não. Não, muito obrigado. De nada. De nada? No outro lado do bar, uma mesa com uma mulher, um bebê e uma menina. Mais ou menos da sua idade. Mesa boa. Os bebês costumam amolecer as pessoas e os corações. Usa as pilastras para se esconder dos garçons, enquanto caminha o mais rápido que pode até a mesa. Chega ao seu destino.

– Vai um chiclete? Uma ajudinha, por favor?

A mulher o ignora e levanta ninando o bebê que começa a chorar. Perdi, perdi, pensa. Mas insiste com a menina:

– Um chiclete? Uma ajuda?

A menina olha para ele séria, franze os lábios e cruza os braços com uma expressão de pena.

– Pode vir aqui mais perto, por favor?- ela convida.

Ele atende. Ela quase encosta a boca no seu ouvido e começa a falar:

– Sabia que trabalho infantil é crime?
– Ahn?
– Crime. É, crime. Eu vi na televisão. Você devia estar estudando, brincando. Esses são os direitos das crianças. Você não devia estar trabalhando. Olha, não vou comprar o chiclete mas vou te dar uma coisa melhor…
– O quê?
– Um conselho. Fala com os teus pais que eles estão cometendo um crime quando te colocam pra trabalhar. Fala pra eles. Se quiser, vê na internet qual é a lei. Aposto que vai resolver o teu problema. Entendeu o que eu disse?
– Entendi?
– Bom, tomara que sábado que vem você possa estar em casa brincando e não vendendo chiclete. Tá bom? Então, ó, boa sorte, tá?
– Tá.
– E não esquece meu conselho, viu?

O menino se afasta da mesa chocado, esfrega o ouvido para limpar os perdigotos da menina e sai do bar sem olhar pra trás. A menina toma um gole de coca-cola e sorri triunfante. Fez uma boa ação hoje. O menino entra no próximo bar e continua a vender seus chicletes procurando evitar clientes malucos dessa vez. Tomara que tenha essa sorte.

Sábado. 10 e 23 da noite. No balanço geral, nenhum problema social foi resolvido em Copacabana. Apesar de todos os esforços do bom mocismo zona sul há alguns males que conselho sozinho não consegue curar. Uma pena. Uma pena.

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