Não sei quanto a vocês, mas fiquei com uma sensação esquisita no início da nova temporada do Two and Half Men. E, não, a causa disso não foi a “substituição” Charlie Sheen pelo Ashton Kutcher. Não houve substituição. A série só passou por uma grande mudança estrutural para manter seu público próximo de um cenário e personagens familiares. Nessa reestruturação o que realmente me incomodou foi a mudança ocorrida no Alan.
Estruturalmente, Two and a Half Men era uma série equilibrada por 3 personagens: o adorável perdedor neurótico, Alan; o garanhão, Charlie; e o bobo, Jake. Eles representavam toda uma gama de estereótipos negativos masculinos. E, como tal, eram sempre cercados por esterótipos negativos femininos: as materialistas, as amargas e as loucas.
Esse equilíbrio permitia que a série corresse macia, sem problemas típicos de continuidade, se tornando uma preferência na reprises. Não haviam, como em tantas séries questões específicas a serem resolvidas, como o romance de Ross e Rachel, bem “trabalhado” em Friends, e o, não tão bem escrito, enlace de Penny e Leonard em The Big Bang Theory. A toda semana estávamos simplesmente assistindo à guerra dos sexos vista do lado do atual perdedor, o homem. Não importava a mulher envolvida com Charlie, com Alan, ou mesmo com Jake. Podia ser a empregada, a mãe, a vizinha louca ou uma outra qualquer. Cada episódio era apenas mais um prego no mito masculino pré século XXI.
Quando Charlie Sheen saiu da série, os motivos e o que ele fez depois não importam para essa discussão, o equilíbrio foi quebrado. Pelo bem da suspensão de descrença, sim, isso não é só pra fantasia ou ficção científica, não faria sentido colocar outro no exato papel de Charlie. Um outro garanhão não poderia ficar naquele lugar.
Imagino como o pessoal deve ter quebrado a cabeça para saber o que fazer com a série. Havia um público grande ansioso por sua continuação e se desfazer dele seria jogar dinheiro no lixo. Nem que por mais uma temporada, essa vaca deveria ser ordenhada.
Não temos como saber, só pelo primeiro episódio, o que ocorrerá na série, mas uma mudança ficou bastante clara: não teremos mais um equilíbrio triangular. Jake, um dia isso iria acontecer de qualquer maneira, deixaria de ser meio homem e não faria mais sentido como um bobão. A saída de Charlie antecipou a sua partida. Com isso temos uma dualidade, Alan de um lado, e mais alguém de outro.
No modelo tradicional de sitcom, excetuando as séries de ensemble, a escolha do ator sempre pesa no papel. Como ocorreu com Charlie Sheen, o próprio Charlie Harper, o ator colocado em seu lugar iria levar a sua personalidade à série. John Stamos, que fez uma participação no novo episódio, seria uma escolha mais estilosa, porém brega, e não funcionaria bem com o histriônico Alan. E o mais importante nesse momento seria salvar o personagem do Alan, o ponto de familiaridade dos espectadores com a série.
A solução aparentemente foi tirá-lo do papel de escada. Para isso, eles alteraram o seu tipo. Ao invés de ser o adorável e neurótico perdedor, ele, nesse primeiro episódio, está bem mais próximo do Bitch/Bastard, papel antigo de Bertha e da mãe dos Harpers. Para se contrapor a ele a escolha de Kutcher sugeriu um personagem num modelo próximo do Joey do Friends ou mesmo do seu próprio Kelso. Sem maldade, mas cheio de málicia e sabiamente tolo.
Tudo foi muito auto referencial nesse primeiro episódio, homenageando o que foi feito até agora, mas sem deixar claro o novo caminho da série. Ele inclusive terminou com o famoso “To be continued…”, o que me deixou curioso para ver como eles vão equilibrar essa relação e quais alterações serão feitas em Bertha, Jake e afins. Uma saída possível é virar o jogo e transformar os homens em materialistas, amargos e loucos, e as mulheres em ninfomaníacas, tolas e neuróticas. Uma inversão de valores faria bem à série, que, convenhamos, estava um pouco esgotada.
Mas é muito cedo para dizer que caminho será seguido. Essa, apesar do mesmo nome, é outra série. Um verdadeiro spin off no mesmo cenário.
E assim começou o fim da novela sobre a substituição do Charlie Sheen pelo Ashton Kutcher no Two and a Half Men: com uma nova série. Adeus, Two and a Half Men e bem vinda Two Men, ou, quem sabe, All Men.
Gostei muito! Posso compartilhar no face?
Lisandro, concordo com tudo. Chamo atenção para o fato deste ser apenas meio-episódio e que pela situação delicada, esse episódio duplo vai servir para botar a casa em ordem, colocar os personagens no lugar certo e, aí sim, começar a temporada pra valer. Acho que como foi o ponto focal do episódio, o personagem de Alan concentrou as atenções, para o bem e para o mal. Semana que vem teremos uma noção mais clara do que sobrou da série depois que Charlie Sheen chutou o balde… Felizmente, o texto afiado ainda estava lá. É só questão de construir uma outra situação sustentável entre os personagens… simples, mas nada fácil…