Ensaios

Campus Party: há algo de diferente

Mais vez estou na Campus Party. O sentimento à primeira vista parece o mesmo de sempre, mas há menos vigor. Talvez seja eu. Talvez seja o fato de que não precisei passar 9 horas numa fila para conseguir uma credencial. Vai ver a diminuição do esforço para aqui estar diminuiu também a sensação de conquista. Sei lá, mas há algo diferente.

Fila. Menor, mas não inexistente.

A feira parece maior e melhor organizada; existem mais azulzinhos (o povo da “organização”) circulando por aí e as informações prévias foram melhor distribuídas e comunicadas; as palestras desse ano tem um foco mais em pessoas e sua relação com tecnologia do que no aspecto hard da Internet e afins. Enfim, tudo parece melhor. Fora o calor tremendo, eu poderia até dizer que está melhor que a do ano passado, mas não me sinto a vontade de fazê-lo. Há algo diferente.

Os papos em volta parecem menos voltados à tecnologia e mais às pessoas, é verdade, e mesmo em meio aos geeks a frase que mais se ouve é “eu tenho uma vida” precedido de “Não jogo WoW” “Não tenho Vlog” ou “Não quero montar uma start up”. A impressão é que há um sentimento de estafa generalizado no que tange à tecnologia. As palestras falam disso. Os participantes comentam sobre isso e o cansaço parece claro mesmo nesse segundo dia. Há algo diferente.

Não sei se esse cansaço é proveniente do período interregno estendido que vivemos. Afinal, desde 1995 convivemos com essa mudança não concretizada da era industrial para a era do conhecimento. Os poderes antigos ainda estão no poder; as relações sociais, políticas e de trabalho em quase nada se alteraram; e tudo que o ganhamos foi o “direito” de compartilhar mídia e encher o saco uns dos outros nas redes sociais. Coisas que, lembrem de SOPA e PIPA, ainda querem nos tirar. Ou seja, as promessas do passado apenas se tornaram os lamentos do presente.

Não tiro a razão de todo esse cansaço. 17 anos é tempo demais esperando uma mudança que não chega. Uma geração inteira nasceu sem Rei e sem rumo. Não admira estarmos entregando os pontos.

Aproveitando a brecha, aqueles que iriam ser destronados pelo poder da colaboração democrática da internet se tornaram os nossos financiadores. Viramos pretensos revolucionários vencidos pela contradição que nos tornamos. Desistimos  da mudança que esperávamos quando nos permitimos ser bancados pelo poder estabelecido. A mudança virou maquiagem. E, para selar o caixão, é nesse momento trágico que o cansaço se tornou perversão e corrupção.

Tudo tem seu preço…

Os sinais são claros. Já podemos notar que esse povo tão colaborativo e unido começa, ao molde das gangues do velho oeste, a marcar seus espaços, sejam físicos e virtuais. Ou seja, os pretensos revolucionários se tornam os protótipos dos ditadores que diziam combater. Parafraseando Cory Doctorow: “Every Pirate wants to be an Admiral”.

Evento democrático mas de lugar marcado na marra. É uma ameaça velada?

Some a isso o retorno do recalcado, bem exposto pelo Sebrae, patrocinador do tema Empreendorismo, que, na voz de um de seus representantes, vestido com uma camiseta ostentando o meme de “like a boss”, declara, sob aplausos,  que o espírito empreendedor surge do desejo de ser o “próprio” chefe ou, melhor, de ser chefe dos outros. Se não há como vencê-los, não apenas se una a eles: se torne um deles. Essa é a mensagem. Copy that, Roger!

É bastante significativo que o evento aconteça próximo dos claros sinais do avanço da censura na Internet (SOPA, PIPA, condenação da galera do Pirate Bay, prisão do Dotcom do Megaupload) e do lançamento das ações do Facebook. A internet, que vinha pra liberar o conhecimento, nos tornou novamente escravos, produtos comercializados por aqueles a quem entregamos os dados de nossa vida. Seria interessante que o IPO do Facebook ocorresse no dia 13 de maio só para fecharmos o curto período em que a escravidão foi abolida na mesma data.

Vai guardando o Mantra, pois é o que nos tornaremos

Não sei se virei na próxima Campus Party. Não sei se haverá uma próxima Campus Party. Será que faria sentido realizá-la com o fim da Internet e de seu espírito tão próximo de se concretizar?

Como já disse, há algo de estranho. Não só na Campus Party, mas em todo o mundo em volta da Internet. Não concorda?

Bom, isso é o que eu acho, mas também pode ser o calor falando.  Já disse que tá quente pacas aqui? 😉

2 thoughts on “Campus Party: há algo de diferente”

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