Ontem, como boa parte da humanidade, comemorei o dia do santo secular mais popular dos últimos tempos: Phil Connors, protetor do entediados e mártir do dia da Marmota. Desde que O Feitiço do Tempo, estrelado por Bill Murray, foi lançado em 1993, o 2 de fevereiro virou sinônimo de repetição, rotina, marasmo e da esperança de vencê-los. Um problema mais contemporâneo do que picadas de cobras e outros bichos peçonhentos.
Porém, ao assistir o filme novamente, na bem sacada maratona da Paramount, que o colocou em todos os horários até às 6 da manhã do dia 3, me caiu uma ficha diferente. Feitiço do Tempo não é um filme sobre paralisia emocional, é um filme sobre angústia existencial.
Assim como temos os estágios do luto, que nos permitem lidar com a morte, os estágios da angústia existencial nos ensinariam a lidar com a vida. Especialmente a que vivemos no momento presente.
Phil, como todo santo, é um pecador que vive fora do seu tempo. Morre de ódio do seu passado (e de si mesmo) e só pensa em como será sua vida no futuro (e no seu eu idealizado). É uma vítima da culpa e da ansiedade, assim como todos nós, seus devotos.
Quando ele aparentemente fica preso no dia 2 de fevereiro, ele está recebendo uma benção e não uma maldição da qual precisa se livrar. Pela primeira vez em muito tempo ele precisa, e pode, prestar atenção ao seu redor, às pessoas com quem convive e, o maior dos dramas, se comunicar com elas.
Seguindo a cartilha dos santos, ele não compreende a sua missão de imediato. Assim, precisa atravessar um martírio até chegar à iluminação. Primeiro bate o desespero do absurdo da vida; quando percebe que há benefícios no seu martírio recai num misto de niilismo e hedonismo; após um tempo, se cansa de tanta auto indulgência e busca se aproveitar do mundo de forma pragmática, mas continua vazio; e, enfim, percebe que todo dia é, de fato, igual e foca em seu bem estar e em melhorar o mundo.
Mesmo se frustrando, ele acaba aceitando essa realidade e, finalmente, quando se desprende da expectativa de resultados do futuro e dos rancores do passado, o dia 3 de fevereiro chega. Ao invés de se sentir “livre” e partir, acho que nem todo mundo lembra desse detalhe, ele decide ficar em Punxsutawney, e aproveitar a beleza que existe ao seu redor.
O recado é claro. Phil não está livre pois se torna uma pessoa melhor, mas, sim, por perceber que faz parte de um todo e que não há o que esperar do amanhã pois só há o hoje. Phil se torna, assim, uno com o seu destino justamente pois não quer ser o seu mestre, mas por aceitar seguir um caminho que é seu e do mundo. O tal do Tao. Por isso não faz sentido sair da sua suposta prisão. Afinal, onde ele estiver, lá ele estará. Simples assim.
Nos anos 90 tivemos um boom desse zen-taoismo light no cinema. Desde o Feitiço no Tempo, passando por O Balconista, até Beleza Americana, vemos protagonistas presos a realidades que precisam aceitar pois, se as suas vida são miseráveis, a culpa não é do externo, mas deles mesmos por não prestarem atenção ao que há de belo ao seu redor.
Entendo total a sensação. Há 7 anos passei por um 2 de fevereiro digno de Punxsutawney. Minha mulher estava em trabalho de parto por mais de 24 horas e minha filha não nascia. A angústia era grande e eu só lembrava de Phil Connors. Era como se fosse eu preso no dia da Marmota. Mas o problema não era do dia, nem da minha mulher, nem da minha filha. Era meu. Eu estava segurando as pontas do passado e do futuro, sem ver a beleza que estava na minha cara no momento presente. Alícia ia nascer na hora que era pra nascer, e, assim foi: às 3 e 54 da matina ela chegou ao mundo.
Como aconteceu com Phil, aquele, pra mim, foi um momento de iluminação. Eu não precisava ser nada diferente nem ir para lugar algum. Onde eu estivesse, e onde ela estivesse, seria o que era e eu estaria em casa.
Hoje, ela completa 7 anos, e percebo que mais importante que o 2 de fevereiro é o dia 3. O dia em que ela nasceu e em que nós nascemos juntos com ela. Assim como fazemos todos os dias. Num lugar tão lindo, onde queremos viver por todas as nossas vidas, mesmo que seja de aluguel. 😉
Parabéns pela sua iluminação, São Phil, e um feliz aniversário pra você, Alícia, minha filha querida.
Que tenhamos, todos, um excelente e eterno 3 de fevereiro onde estivermos. Pois é lá que estaremos. Sempre.