Ensaios

Guia Turístico dos Ônibus do Rio de Janeiro

O casal de turistas sobe no ônibus na altura da Constante Ramos.

– Esse é o 127?- a mulher pergunta, num sotaque impossível de se identificar. Pode ser argentino, russo ou até mesmo do interior de São Paulo.
– NÃO! É O TRONCAL 1! UUUM! O 127 ACABOU! PRA ONDE VOCÊS VÃO? – o motorista gentilmente lhes atende.
– Quê?
– PRA ONDE VOCÊS VÃO? PRA ONDE?
– Ah, Rodoviária. Rodoviária?- ela se vira para confirmar com o homem. Ele balança a cabeça afirmativamente. – Rodoviária.
– SOBE. ESSE AQUI FAZ O MESMO CAMINHO.

Param na catraca e depois da regulamentar confusão para pagar (tiram menos dinheiro; puxam cartão de crédito; contam moeda; conversam sussurrando sobre algo curioso e inaudível; questionam o valor; pagam e esquecem de pegar o troco) eles se sentam. Nos bancos preferenciais para idosos.

– Falta muito? – a mulher pergunta ao cobrador.
– O quê?
– Falta muito? Quantos pontos?
– Ah, sei não, não sou dessa linha. Tô só cobrindo um amigo- vira-se pro motorista- Aí, quantos pontos faltam pra Rodoviária?
– O QUÊ?!
– Quantos pontos faltam pra Rodoviária?!
– AH, UM MONTE!

O cobrador se vira para a turista:

– Daqui a pouco chega. É rapidinho.
– E onde saltamos?
– Como assim? Vocês vão pra onde?
– Pra Rodoviária. Pra Rodoviária?- ela se vira para confirmar com o homem. Ele balança a cabeça afirmativamente. – É, pra Rodoviária.
– Ah, aí é fácil. O ponto final é a Rodoviária. Aí vocês vão saltar na… Rodoviária.

O Cobrador ri, os turistas riem e, mesmo sem ter ouvido direto, o motorista ri. O ônibus é só alegria. Assim como o Rio de Janeiro.

– Se bem que…- o cobrador acrescenta um porém.- Tem duas rodoviárias.
– Duas? Duas Rodoviárias?- ela se vira espantada para o homem. Ele balança a cabeça para mostrar que está ouvindo. – Tem certeza? São duas Rodoviárias?
– É, sim, são duas rodoviárias. Uma onde o ônibus para e a outra onde pega ônibus pra outras cidades. Cabo Frio, Petrópolis São Paulo. Essas coisas. Vocês vão para qual?

O casal se olha sem saber. Cochicham entre si tentando decidir o que fazer. Duas Rodoviárias? Por essa eles não esperavam.

– Vocês vão fazer o que lá?- o cobrador tenta ajudar.
– Vamos pegar uma amiga.
– De onde ela vem?
– Búzios. Búzios? – ela se vira para confirmar com o homem. Ele balança a cabeça afirmativamente. – Búzios.
– Ah, então é na outra.
– É longe?
– É longe?- o cobrador checa com o motorista.
– O QUÊ?
– O ponto final da Rodoviária. É longe?!
– O PONTO FINAL É A RODOVIÁRIA!!!
– Sei, mas o ponto final é LONGE da outra Rodoviária?!
– AH, DA OUTRA? MAIS OU MENOS!! MAS O CAMINHO É MEIO ESQUISITO!
– Tranquilo, é bem na frente- o cobrador confirma para a turista.
– E pra voltar?- ela continua.
– Pra voltar? Como assim?
– Pra voltar de onde a gente veio?
– Ah, aí pode voltar pra Rodoviária; a do ponto final; e pegar esse mesmo ônibus pra voltar.
– Mas a gente salta onde? Aqui em Copacabana- ela se vira para o homem. Ele balança a cabeça para mostrar que está ouvindo. – É, onde a gente salta em Copacabana?
– Ah, não sei. Ei, onde a gente pegou eles?!- o cobrador pergunta pro motorista.
– QUEM?
– Os turistas!
– AH, SEI LÁ. NÃO FOI NA CONSTANTE?
– Constante Ramos?!
– É. CONSTANTE.

O cobrador se vira para a turista:

– É só saltar perto da Constante Ramos.
– E como sabemos que está perto da Conselheiro Ramos? – ela se vira para confirmar com o homem. Ele balança a cabeça afirmativamente. – Como chegamos na Conselheiro Ramos?
– Constante Ramos- o cobrador corrige.

A moça pega o celular e começa a anotar.

– Olha, quando o ônibus chegar em Copa vão ter duas ruas,- o cobrador explica- uma é a Siqueira Campos… tá anotando?
– Sim. Sim.
– A outra é a… Aí, como é o nome daquela rua?!
– QUE RUA?!
– A que não é a Siqueira!
– A FIGUEIREDO?
– Isso, valeu, Figueiredo. Anota aí. Chegou em Copa, passou a Figueiredo, puxa a cordinha e vai pra Conselheiro, quer dizer, pra Constante Ramos.
– Ah, acho que não entendi.
– Deixa eu ver o que você anotou.
– Não- a turista protege seu celular.- Você não vai entender o que escrevi.
– Tá bom. Tá bom. Vamos ver como eu vou te explicar. Tem a Figueiredo, quando passar você faz sinal, aí salta na esquina da Constante.
– Na esquina da Figueiredo com a Constante? – ela se vira para confirmar com o homem. Ele balança a cabeça afirmativamente. – É na esquina? Da Figueiredo com a Constante?
– É. Pera aí. Acho que me confundi. Ei, a Figueiredo faz esquina com a Constante?
– O QUÊ? ESQUINA COM QUEM?
– A Figueiredo faz esquina com…

Pra mim essa foi a gota d’água. Baixo o livro que estava tentando ler sem sucesso por 10 minutos e dou a letra:

– Não, não, NÃO!!! O caminho não é esse. Você vai pegar o Troncal 1 na volta, ele vai passar pelo Túnel Novo, após um grande shopping chamado Rio Sul, e vai entrar na rua Barata Ribeiro. Anotou?
– Anotei- a turista assustada assente.
– Bom, ele vai seguir até passar por uma rua grande chamada Figueiredo Magalhães. É só ficar de olho nas placas. Sabe do que estou falando?
– Sim. Sim.
– Então quando passar da Figueiredo você vai puxar a cordinha e saltar no próximo ponto. Entendeu?
– Entendi.

Me calo e volto a ler. O ônibus inteiro fica em silêncio por todo o trajeto. Salto na Mem de Sá e enquanto o ônibus parte posso perceber os olhares de desprezo de todos os passageiros, dos turistas, do motorista e do cobrador sobre mim. Não resisto:

– Bem vindos ao Rio de Janeiro, idiotas!

A turista faz uma cara de espanto e se vira para confirmar com o homem. Ele balança a cabeça afirmativamente.

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