Ensaios

A morte do Cão e o anúncio do Ministro

Quando eu tinha uns 11 anos, ganhei de presente um Beagle. Foi uma alegria. O cachorro era maravilhoso: bonito, esperto e sapeca na medida certa. Motivado pela minha obsessão por Conan Doyle, dei-lhe o nome de Holmes. Ao mesmo tempo em que me divertia em ser perseguido por ele no aterro do Flamengo como um menino de 6 anos, curtia passear com o Holmes na rua e ver as meninas parando para acarinhá-lo e flertar comigo. Foi o melhor companheiro para a minha transição de criança para adolescente.

Infelizmente, depois de dois anos de muita alegria, ele caiu doente. Entra e sai do veterinário, ninguém descobria o que acontecia. Cancer, envenenamento, depressão; as teorias eram muitas, mas conclusão? Nenhuma. Isso não diminuía a dor que sentíamos ao vê-lo, antes tão alegre e bonito, definhar de tristeza.

Um sábado de tarde, meu pai me chamou e decretou:

– Vamos passar essa tarde com o Holmes, antes de ele morrer.

Sentamos na sala e tentamos fazê-lo brincar. Sem sucesso. Fazíamos carinho, mas ele não respondia. Num último arroubo ele se levantou, mas aparentemente ficara cego, e ricocheteava nos móveis tentando se agarrar à vida. Antes que pudéssemos aninhá-lo, ele caiu, golfou sangue e morreu.

Agora,  enquanto acompanho a crise política, só me lembro do Holmes. Vigio os noticiários online esperando nomeações de ministros e acompanhando os movimentos do judiciário como o menino que assiste seu cachorro morrer. Assim como aconteceu com o Holmes, ainda havia dentro de mim uma esperança que o Brasil não morresse, mas sei que era vã.

Meu pai, na sua sabedoria, já sabia que o máximo que podíamos fazer era homenagear aquele que nos fez feliz. Mesmo que estivessem corroídos internamente e envenenados, Holmes e o Brasil não mereciam ser lembrados por seus últimos momentos. Cegos, débeis, morrendo por razões misteriosas e ao mesmo tempo completamente aparentes.

Depois que Holmes morreu, meu pai o enrolou num lençol, deitou meu cachorro numa bolsa de palha e o levou para destino ignorado. Nunca discutimos o que aconteceu. Foi enterrado? Incinerado? Não queríamos saber. Tudo o que importava era que ele não estava mais lá.

Lembro do Holmes e penso no Brasil. Teremos um enterro tão desrespeitoso como o de Holmes? Quando nossos animais e países de estimação morrem, como podemos lidar com o luto de forma respeitosa? Alguém pode me responder? Eu não consigo pensar em nada. Só no Holmes. Só no Holmes.

Talvez só me reste comprar um cachorro.

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