Imagino que a corrupção aconteça assim: naturalmente. Tava olhando a minha filha no Pula Pula quando uma mulher parou do meu lado.
– Oi, tudo bem? Tem mais alguém na fila? Depois da sua filha? Tem? O meu filho pode entrar depois? – apontou prum menino com cara de bobo que puxava pelo braço. – Será que tem alguém depois da sua filha? Tem?
– Acho que não. Melhor perguntar pro cara do Pula Pula.
– Cadê ele? Onde está o cara? Você sabe? O do Pula Pula? Sabe?
– Acho que está ali, ó.
Lá foi ela. Desenrolou com o cara e voltou pra perto de mim, apontando:
– Depois dela, é o meu filho. É o meu filho tá? É o meu filho. Esse aqui – disse apontando pro menino que estava com uma cara ainda mais boba. – Depois da filha dele, é o meu filho. OK?
Ficou um momento em silêncio ao meu lado e aí fez a proposta:
– Será que o meu filho podia pular junto com a sua filha? As crianças se divertem mais pulando juntas. Será que ela ia querer? Você acha que tem problema?
– Acho que não. Deixa eu perguntar pra ela. Filha, você quer pular junto com o amiguinho?
Minha filha assentiu com a cabeça. A mulher se adiantou.
– Sobe aí, filho. Sobe. Isso. Pula com a amiguinha. Vai. Vai.
O menino e minha filha começaram a pular juntos. Aí veio a segunda proposta:
– Vamos dobrar o tempo? Meu filho ia entrar depois, aí ia demorar 14 minutos. Quem estiver esperando ia esperar 14 minutos de qualquer jeito. Vamos dobrar o tempo? O meu filho e a sua filha ficam 14 minutos ao invés de 7. Ia ser assim de qualquer jeito.
– Sei lá. Não acho legal. Além disso, acho que tem aquele menino que está esperando. É mó chato.
– Ah, ele que espere. Você entende o que estou dizendo? Não está errado. Dobrar o tempo é natural. Eles iam esperar do mesmo jeito. Não é?
– Sei. O que você diz é lógico, mas não é ético.
– Como assim? Não estou roubando ninguém. Vou pagar pelo tempo dobrado.
– Sei, mas não me sinto bem. Sei como as crianças ficam quando precisam ficar esperando. É só uma questão de boa vizinhança.
– Boa vizinhança? Não entendi. Eles iam esperar 14 minutos mesmo. Estamos apenas usando o que é nosso direito. Se nossos filhos resolveram pular juntos, tem que ser beneficiados. Não acha? Não estou certa?
Antes que eu pudesse responder, ela saiu em direção ao cara do Pula Pula. Desenrolaram brevemente e ela voltou, acompanhada dele, apontando pra mim:
– Aí, fala pra ele. Fala pra ele.
– Tem problema, não, amigo- o cara do Pula Pula decretou.- Pode ficar os 14 minutos.
– Mas eu não quero…
– Se ele deixou- ela me cortou,- pra que fazer disso um cavalo de batalha? Deixa as crianças 14 minutos. Ó, lá, como eles estão se divertindo. Vai, filho, pula com a amiguinha. Pula.
As crianças pulavam alheias às maquinações nas quais eu estava sendo envolvido. O menino nem parecia mais tão bobo. Eu era o verdadeiro bobo na situação. Pela minha filha, decidi bater o pé e defender minha honra:
– Aqui, ó, não vou compactuar com isso. Não quero deixar minha filha 14 minutos. Combinei com ela 7 e 7 ela vai ficar. Se você quiser deixar seu filho 14 minutos, não é problema meu. Pode ficar, mas eu não vou ficar.
A mulher e o cara do Pula Pula se olharam surpresos. Ele segurou o meu braço e me puxou pra perto dele:
– Se for pelo dinheiro, pode ficar tranquilo. Essa é por conta da casa. Além disso, já passaram os 7 minutos há um tempo.
Olhei para a minha filha, pro menino bobo e pro menino já impaciente na fila. Mesmo contra a minha vontade tinha tomado parte do esquema. Poderia ter firmado a minha posição, retirado minha filha do Pula Pula, mas era tarde demais. Mesmo sem querer tinha sido objeto e ator de um esquema de corrupção.
Minha filha, talvez sentindo minha derrota, parou de pular e disse:
– Papai, quero sair. Estou cansada.
Em silêncio a tirei do Pula Pula. Pelo menos não fomos até o final do abuso.
O menino que esperava na fila se aproximou para subir no Pula Pula e ainda consegui ouvir a mulher fazendo a mesma proposta que fez pra mim para o próximo pai. Não sei o que ele respondeu, mas desconfio que o menino que de bobo não tinha nada dormiu bem após passar a noite inteira no Pula Pula; enquanto eu a passei acordado sem saber como me sentir ou como lidar com o que aconteceu.
Sensacional…. como sempre.