Aí, já pensou nisso? Se vivermos apenas uma vez, passaremos mais tempo sendo tudo do que sendo apenas alguma(s) coisa(s). Vê só. Primeiro você está em lugar nenhum e, ao mesmo tempo, em todos os lugares. Você (se é que podemos falar de “você”) é parte de um todo indiferenciado. Do universo, se você preferir.
Aí, por conta da união de 2 gametas você se torna algo: um feto. Mas, mesmo assim, para o choque não ser tão forte, te deixam dentro da sua mãe num caldeirão de líquido primordial. Seguro, quentinho, uno (com a sua mãe, nesse caso), até estar pronto para você ser uma coisa separada.
Aí você nasce e é sempre complicado. Afinal quem quer sair de lá e encarar a dureza de ser algo separado? E, pior, sozinho. Você, que antes era tudo, vai ser obrigado a ser uma coisa só. Por isso você grita, esperneia e chora. Mas, por pior que seja, sempre tem uma história sobre como seu o nascimento foi glorioso, heróico, surpreendente, mágico, poético, cômico ou dramático. E em geral é. É tudo isso, ao mesmo tempo.
Aí você cresce e estranhamente esse movimento entre ser uma coisa só e ser tudo continua. É como se você estivesse nascendo a todo momento. Primeiro você acha que sua mãe é parte de você até que te desmamam e você precisa se alimentar sozinho. Aí te põem numa escola pra você ser igual a todos ou, pelo menos, a parte de um todo, até que consiga sair da sua família pra ser algo diferente, e, surpresa, formar a sua própria família, onde tudo vai ser igual ou bem parecido. É como se, mesmo após nascido, você estivesse buscando (ou sendo forçado a fazer parte de) simulacros desse líquido primordial. Uma nostalgia do que já foi.
Aí um dia você descobre que, apesar de se sentir sozinho, você já foi parte de tudo. Nesse ponto a crise existencial te leva à neurose, ao divã, ao desespero, à religião, ao vazio, ao “Thanks, God, it’s friday”. Você, antes compelido pelo mundo, agora começa a buscar ativamente pelas fantasias do sentimento oceânico que te permitiriam voltar a se sentir um com o todo, ou, melhor, não sentir nada. Esse desespero por fazer parte é tão grande que as pessoas brigam e matam umas às outras pois sentem que os outros ameaçam suas fantasias de patriotismo, espiritualidade e família que resgatam a saudade de não serem nada. E serem tudo. Ao mesmo tempo.
Aí você se liga que vai morrer e tem medo. Estranho. Afinal passou boa parte da vida tentando fazer parte de tudo de novo e, quando descobre que isso vai ser inevitável, não sabe o que fazer. Talvez porque você tenha passado tanto tempo fazendo parte de “todos” falsos que não incluíam tudo de verdade. Agora que será obrigado a voltar a fazer parte do “todo” mesmo, você quer que esse “todo” seja igual ao que você é sozinho. Coitado. E soberbo.
Às vezes me pego pensando nisso e imagino que a gente não aproveite esse momento da vida de verdade. Que outra oportunidade a gente tem experimentar o mundo por apenas um ponto de vista? É, porque a gente não deixou de fazer parte do todo. A gente simplesmente está vivendo a oportunidade de experimentar as conexões das quais somos feitos de um ponto específico da rede, ou como dizia Bill Hicks na sua história positiva sobre LSD:
“Today a young man on acid realized that all matter is merely energy condensed to a slow vibration, that we are all one consciousness experiencing itself subjectively, there is no such thing as death, life is only a dream, and we are the imagination of ourselves. Heres Tom with the Weather.”
Por isso quando me sinto sozinho e a melancolia bate, eu lembro que estou nesse mar celestial onde somos tudo e nada. Lembro que nada é permanente, que tudo é interconectado, e que o Nirvana é uma simples questão de percepção e desapego. Mas enquanto ele não chega, tudo o que me resta é sair desse mar, abrir a canga, deitar e olhar o mundo desse ponto tão particular. O meu.
Este texto faz parte da blogagem coletiva Estação Blogagem, com o tema Tarô: cada semana de novembro será regido por um naipe que vai inspirar a produção dos textos. Para saber a programação e participar, leia esse texto aqui.