O menino chega em casa novamente triste e a mãe nem nota. Ele é sempre assim. Não tem amigos, porque, cá entre nós, é chato e desinteressante; e a sua mania de machinho afasta todos os que tem bom coração. E isso é um problema. Afinal, quando somos crianças, todos temos bom coração.
Ele vai pro seu quarto, pega a caixa cheia dos brinquedos que ele próprio quebrou e a leva pro quintal pra descontar sua agressividade mal dirigida. Ele os golpeia com um martelo; os amarra em bombinhas e os explode; os queima com lupas e sol, com álcool e fósforos. Sorri. Imagina que está fazendo isso com aqueles que não consegue amar. Quando somos crianças, todos temos bom coração. Apesar da idade, o menino não é e nunca foi uma criança.
Todo dia a raiva dele tem um motivo diferente. Ele culpa os outros por tudo. Por serem mais bonitos, mais inteligentes, mais carismáticos, mais interessantes. Não aceita que a culpa seja dele, por ser feio, burro, chato e sem graça. Todo o dia ele culpa os outros, mas tem, lá no fundinho, a sensação de que o ódio que sente é injustificado. Mesmo assim ele fica com raiva e os odeia do fundo do seu coração.
Hoje não foi diferente, colocaram nele uma alcunha, um apelido, que ele não gostou. Como tinha tudo a ver com a realidade, pegou, e ele foi obrigado a ficar ouvindo o dia inteiro o chamarem de e cantarolarem aquele nome que tanto lhe incomodou. O menino se ressentiu do apelido, pois ele fala à sua alma. É quem ele é. Por isso é tão perfeito e tão ofensivo. Por isso ele não quer ouvir essa palavra nunca mais.
Ele lembra de como foi chamado o dia inteiro e tem uma ideia. Resolve fazer uma cova para cada um de seus brinquedos e imagina estar enterrando todas as crianças da escola. Uma a uma. Cada uma por uma causa diferente. Tiro, doença, angústia, fome. A sua imaginação é pródiga quando se trata de conceber desgraças. Quando estão todos enterrados, ele sorri. Agora ele quer ver eles o chamarem daquilo; agora ele quer ver se debaixo da terra eles terão fôlego e forças para chamá-lo de Genocida mais uma vez.
A alcunha do menino se tornou uma profecia auto-realizável.