O Editor Invisível

[oei#24] A bizarra intencionalidade casamenteira das inefáveis categorias dos livros

Quando você entrava na finada livraria Gracilianos do Ramo, situada entre a Djalma Urich e a Almirante Gonçalves, na Nossa Senhora de Copacabana, a primeira prateleira que lhe chamava a atenção era a de Bizarros. Não era exatamente uma categoria oficial de livros, pois nenhuma editora classificaria, em sã consciência e de forma não irônica, suas obras dessa forma, mas era, sim, uma espécie de declaração de identidade da loja e uma armadilha de relacionamentos.

Nela você encontrava Caminho das Borboletas, com as memórias de Adriane Galisteu sobre Airton Senna; Ai, que Loucura, autobiografia da diva mor de Copacabana, Narcisa Tamborindeguy; e até o faux pas de Fernando Sabino, Zélia, uma paixão. O próprio Fernando, cliente da loja, não questionava a inclusão da biografia romântica da ministra do confisco na estante de Bizarros, só pedia mais destaques para suas demais obras.

O fato é que essa prateleira notorizou a loja e atraiu uma certa qualidade de clientes para ela: os que gostavam tanto de livros que até os bizarros lhes encantavam. Assim, era fácil encontrar pessoas reunidas em volta da prateleira rindo ou discutindo a pertinência da inclusão das obras na categoria. Aquele metadado concreto, representado por uma discreta prateleira de menos de meio metro, atingiu seu objetivo: proporcionou o encontro mágico entre as obras e seus leitores, e formou uma comunidade.

Na livraria Baratos da Ribeiro o mesmo aconteceu com a ultrajante prateleira de eróticos, ornada por um nude fake de Sandy & Junior que motivou diversas ameaças de processo por fãs da dupla infantil. Hoje, os momentos do Zeitgeist Catalográfico continuam a ser sentidos nas prateleiras de livros de clubes de assinatura, comprados, recebidos, e nunca abertos, que você encontra na Beta de Aquarius, e da, ainda conceitual, de Autores Cancelados na livraria Jacaré.

A maneira de classificar os livros, o que hoje chamamos de metadados, é coisa antiga. Apolônio de Rodes já devia sofrer com o conflito eterno de encontrar a prateleira certa na Biblioteca de Alexandria para seus livros e seus leitores. Desde aquela época, o objetivo da classificação é possibilitar o resgate e a descoberta da obra certa para o leitor certo, e isso não depende somente de uma característica do livro, mas, principalmente, do que vai atrair o olhar e o desejo do leitor para ele.

Assim, livros sambam de uma categoria para outra dependendo dos contextos culturais e políticos; outros nunca parecem estar no lugar certo, como as obras de Nabokov que às vezes figuram em Literatura Russa, de Língua Inglesa, ou, até mesmo, pasme, na de Eróticos; e novas categorias surgem como a de Autoficção, que, dizem os mais maldosos, não passa de autobiografia bagaceira de celebridades para intelectuais.

Hoje, graças às tecnologias de informação, é cada vez mais fácil resgatar dados sobre os livros e sobre a forma como os leitores se relacionam com eles. Com todas essas evidências, os metadados acabam transcendendo as próprias obras e começam a ser qualificativos dos relacionamentos que esses encontros literários sugerem. Afinal, o que torna um livro reconhecível a um público é a sua condição de espelho, o que o leitor encontra de si mesmo na obra que criará uma ligação cognitiva e emocional entre os dois. Pois, se pensarmos bem, todos os livros do mundo, dependendo do público, poderiam estar na prateleira de Bizarros.

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