Ensaios

As inaugurações de Paquetá

A primeira vez em que verti sangue em Paquetá foi no parque Darke. Caminhando depois de ter desenhado o caminho sombreado pelas árvores, uma pequena ponta, de vidro, metal, ou pedra, não pude identificar, atravessou o chinelo fino e furou minha pele. Caminhei mancando até a farmácia onde limpei o pé com água mineral, apliquei Merthiolate e protegi a ferida com um band-aid.

A primeira vez em que passei o ano novo em Paquetá foi na virada de 24/25. Uma noite sem grandes atrações, apesar do divertido show da Roda de Santa Rita, que terminei sem fogos e com a clareza que a passagem de ano, como a de qualquer dia, é um ritual artificial.

A primeira vez em que dormi em Paquetá foi para participar das festas do dia de São Roque. Fazia décadas que não ia à ilha. Levei uma cópia de A Moreninha que li na rede enquanto as pessoas sambavam nas ruas de terra homenageando um santo do qual nada sabiam.

A primeira vez em que as charretes elétricas começaram a circular em Paquetá foi em 2016. Preocupados com o bem estar e com os custos de manutenção dos cavalos que puxavam as clássicas charretes da ilha, a sua utilização foi proibida depois de um longo processo de acordo entre OAB-RJ, Prefeitura e os Charreteiros. Na época foi um choque, mas hoje ninguém se lembra mais daquela época.

A primeira vez em que fui à Paquetá foi aos meus seis anos de idade. Passeei pelos pontos turísticos usuais e, mesmo sem ter a menor perspectiva de ter um amor ou uma namorada sequer, joguei uma pedrinha que ficou estática sobre a pedra dos Namorados. Fora isso a única coisa que me marcou foi o mar sujo e lodoso.

A primeira vez em que Paquetá foi tratado como um bairro da cidade do Rio foi logo após a fusão entre o estado do Rio e o estado da Guanabara. Apesar de ter transitado longamente entre os dois estados em diversos momentos de sua existência, Paquetá ainda continua como um lugar a parte, nem cá, nem lá, com uma lógica única.

A primeira vez em que Paquetá foi iluminada por luz elétrica foi na década de 1920, com cabos da Light & Power vindos de Bonsucesso.

A primeira vez em que Paquetá teve um sistema de coleta e tratamento de esgotos foi em 1912, o que foi uma implementação pioneira em todo o país, seguindo-se à inauguração do sistema de captação de águas do Alto Suruí, em Magé, vindo por dutos submarinos até Paquetá em 1908. Ele substituiu o uso de poços, já que os antigos moradores não dispunham de fontes naturais de água.

A primeira vez em que Paquetá insurgiu contra a República foi na Revolta da Armada em 1893. Durante esse período a ilha foi usada como base de operações dos revoltosos, e foi isolada do Rio de Janeiro por seis meses, o que afastou muitas famílias da localidade. No fim da Revolta muitos moradores foram punidos, acusados de colaborar com os revoltosos.

A primeira vez em que Paquetá foi usada como cenário de um livro foi no lançamento de A Moreninha em 1844. Apesar de não ser explicitamente citada, as descrições dos locais onde se passa a trama coincidem com as paisagens da ilha, permitindo a associação.

A primeira vez em que Paquetá teve um serviço regular de Barcas foi em 1838, o que permitiu a sua popularização como destino de férias e veraneio.

A primeira vez em que Paquetá foi usada como exílio foi quando José Bonifácio, que nomeia uma de suas maiores praias, foi morar em prisão domiciliar na Ilha por motivos políticos após abandonar a corte em 1829.

A primeira vez em que Paquetá foi palco de uma guerra foi durante o embate entre portugueses e franceses que culminou com a fundação da cidade do Rio de Janeiro em 1565. A ilha foi um dos mais importantes focos da resistência França Antártica à expedição de Estácio de Sá.

A primeira vez em que Paquetá foi vista pelos europeus foi na formação da França Antártica em 1555, quando provavelmente recebeu o seu nome que dizem deriva da grande quantidade de pacas na ilha.

A primeira vez em que o que viria a se chamar de Paquetá foi habitada pelos Tamoios se perdeu nos registros das tribos que formavam esse conjunto de povos e foram exterminadas pelos colonizadores e invasores.

A primeira vez em Pacas caminharam sobre Paquetá deveria ser objeto de lendas.

A primeira vez em que a ilha surgiu como formação geográfica provavelmente no período Cenozoico quando a Baía de Guanabara se formou a partir de uma depressão tectônica entre a Serra dos Órgãos e diversos maciços costeiros.

A primeira vez de todas as primeiras vezes de Paquetá sempre será considerada a primeira vez de algo que nunca aconteceu, mas que, futuramente, pode acontecer. Quem pode dizer o contrário? Eu? Você? Melhor, pela primeira vez, deixar pra lá.

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