Ficção

A Eleição sem Fim

Na última segunda feira do mês de outubro foi realizada a 27a. reunião extraordinária do Edifício Sinceridade para a eleição do novo síndico.

A reunião se iniciou, como esperado, às 7 da noite. Os candidatos cumprimentaram os condôminos e apresentaram suas propostas. Primeiro, o concorrente disse que ia fazer tudo diferente da atual administração, mas não explicou como, nem o quê. Depois, o último síndico relatou que se sentia obrigado a se candidatar mais uma vez para evitar que o concorrente piorasse os atuais problemas do condomínio, os quais ele nem se dignou a enumerar. Com o fim da apresentação das pseudopropostas dos candidatos, a palavra foi passada aos condôminos com direito a voto.

A moradora que tem animais domésticos e apartamentos demais perguntou aos candidatos qual seria a sua política em relação a ter bichos nos apartamentos. Para não perder seu voto, ambos desconversaram. O militar da reserva que tem ocupação e inteligência de menos perguntou como iriam lidar com o problema das drogas e gangues do prédio. Os candidatos tentaram sem sucesso esclarecer que esse não era um problema real, mas, frente aos protestos raivosos do condômino reacionário, para não perder seu voto, ambos disseram ser pela pátria, pela família e pela propriedade. A professora universitária bem intencionada e bem pernóstica perguntou como seria a política de ESG dos candidatos. Sob os olhares de surpresa dos presentes, ela esclareceu que a sigla queria dizer “Enviromental, Social & Governance”, o que no fim das contas não ajudou a tirar ninguém da ignorância. Sem saber responder, e para não perder o seu voto, ambos disseram ser progressistas de carteirinha.

Terminadas as perguntas, os candidatos começaram a discutir, sem substância, sobre suas propostas. Atraídos pelo buraco negro de sentido, os demais condôminos começaram a expressar suas opiniões vazias num monólogo coletivo sem fim. Às 10 horas da noite, cansados do fútil exercício do poder, os candidatos concordaram em continuar com o debate numa data posterior onde a eleição poderia, finalmente, ocorrer.

Enquanto isso, por mais período, o Edifício Sinceridade continua sem governo e sem tirania. Pelo menos por enquanto.

Parece anarquia mas é simplesmente o real sentido democracia: uma eleição sem fim, onde quem ganha são os que não escolhem tolos vaidosos para liderá-los.

Seria perfeito, se não caísse nas costas de um idiota como eu a responsabilidade pelas atas dessas infindáveis reuniões.

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