Ficção

A natureza

Preso a um emaranhado de fios de aço, como uma mosca aguardando se tornar o jantar de uma aranha, ele caminhava com medo e cuidado sobre troncos dispostos como degraus 20 metros acima do solo. Suas mãos calejadas tremiam, agarradas a uma linha de vida que, desconfiava, não aguentaria seu peso; as pernas pulsavam, inchadas e exauridas pelo esforço totalmente desnecessário; o suor brotava da sua testa e descia salgado pelos seus olhos provando que era possível sentir gosto pelas córneas. No chão, seguros, seus colegas de trabalho, hipocritamente, gritavam frases de incentivo:

– Vai, Mário! Você consegue.
– Vai, Mário, mostra o teu valor! Estamos torcendo por você.
– Mário, Mário, Mário!

Na sua cabeça só conseguia rimar seu nome com “otário”, como faziam os meninos na sexta série.

Olhou para a frente e o instrutor do hotel fazenda, a 5 metros de distância, fazia o sinal de “vir” com as mãos. Até ele deveria estar cansado. Pelas suas contas, Mário já devia estar a pelo menos umas duas horas tentando atravessar o trajeto de arvorismo transposto pelos seus colegas em menos de 10 minutos.

– Vem, Mário, só mais dois passos e acabou. E acabou!

Mário moveu as pernas com esforço e elas, moles de cansaço, inesperadamente responderam. Deu o primeiro passo. Os colegas batiam palmas, o instrutor se esticou para agarrar sua mão.

– Vem! Mais um passo e terminou. Vem!

Mário virou o quadril para jogar a perna pra frente, mas ela não teve forças de se firmar no último degrau e seu pé pisou no vazio. Seu corpo virou em direção ao chão, mas o instrutor conseguiu agarrar seu braço e o puxou para a última plataforma.

– Ufa. Foi duro mas conseguimos- o instrutor suspirou.

Sob os gritos de animação dos colegas, ele desceu pela escada presa na árvore e, assim que atingiu terra firme, se atirou ao solo de olhos fechados. Com o corpo destruído pelo esforço, tocando a grama úmida, sentiu uma estranha união com a natureza. Algo que nunca havia sentido. Era como se ele e a árvore tivessem se tornado um só. Não, melhor, era como se ele tivesse acabado de ter sido parido pela floresta. E ingênuo e satisfeito como um bebê, ele sorriu acalentado por uma paz que há muito não experienciava. Protegido e abençoado, sentiu um sono quase primitivo tomar o seu corpo; e a ele Mário se entregou, abafando lentamente as vozes do povo do trabalho e os sons à sua volta, em rumo à inconsciência ou, quem sabe, a uma consciência global.

Escureceu.

Quando abriu os olhos era noite. Estava na mesma floresta do hotel fazenda, porém parecia que tinha viajado 1000 anos no passado. Ele se levantou nú e totalmente recuperado. Instintivamente, poderoso e primitivo, começou a correr pela floresta escura, em busca de si mesmo, e encontrou.

Numa clareira, parado majestosamente sobre uma pedra, um enorme alce negro com olhos de fogo dava as boas vindas à Mario. Boas vindas à floresta, boas vindas a pessoa que ele sempre deveria ter sido.

O alce desceu da pedra e se encaminhou de Mário soprando fumaça da sua boca escura e misteriosa. Aproximou-se do seu ouvido e lhe revelou um segredo:

– Parabéns, Mário, depois dessa você até escapou de ser demitido no fim do ano- disse o Alce na voz do seu gerente.

De volta ao mundo real, abraçado ao chefe e cercado pelos colegas, Mário caiu na real que os meninos da sexta série sempre tiveram razão sobre ele. Otário: essa sempre foi a sua natureza.

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