Ontem, passando pela estátua de José de Alencar, em frente à praça de mesmo nome, minha filha notou que algum gaiato (ou gaiata) colocou uma flor, provavelmente recebida num desses eventos corporativos em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, na mão do escritor cearense.
– A gente devia subir lá pra pegar a flor da mão dele- minha filha sugeriu.
– Ué? Porquê?
– Essa flor é do Dia da Mulher. E ele não é mulher.
– É, tem razão, mas, na boa, ele teve a sua parte na luta pelos direitos das mulheres.
– Duvido!
– Sério. Lá no século XIX ele foi responsável por escrever vários livros sobre perfis femininos e botar as mulheres num protagonismo maior do que se fazia na época. Dentro dos limites culturais da época ele foi quase um feminista.
– Foi nada!
– Nos livros dele, as mulheres, se não eram as personagens principais, eram as forças motrizes das histórias. Teve Iracema, Ceci, Senhora, Lucíola, Diva, Til…
– Problema!- minha filha encerrou o assunto com seu irritante bordão pré adolescente.
E, assim, consegui dissuadir minha filha, feminista da quarta onda e meia, dos seus planos de alpinismo de estátuas e deixamos Alencar com sua homenagem, devida ou indevida, intencional ou não, pelo destaque que deu às mulheres e suas causas num tempo em que elas tinham ainda menos voz do que hoje. O que foi, na minha opinião, até justo, afinal, a busca pela igualdade, tanto a de gênero como todas as outras, é uma luta coletiva, inclusive daqueles que não fazem parte dos grupos minorizados, como o próprio José Alencar, guardadas, óbvio, as devidas proporções. Mas, não posso negar, minha filha também tá cheia de razão.
“E assim é tudo nela; de contraste em contraste, mudando a cada instante, sua existência tem a constância da volubilidade. Na vaga flutuação dessa alma, como no seio da onda, se desenha o mundo que a cerca; a sombra apaga a luz; uma forma devanece a outra; ela é a imagem de tudo, menos de si própria.” – Til, José de Alencar
Que lindo o final, amei.