Ontem, a gente via o nascer do sol do outro lado, do lado daqueles que ainda não tinham dormido. Voltando de boates e bares, encharcados de álcool e conversas essenciais, seguíamos de carona em carros de desconhecidos em direção a casas que não fossem as nossas. Abríamos janelas e geladeiras na busca vital por ar e pela última dose; ligávamos televisores e cd players como trilha sonora para nossas últimas investidas amorosas; nos esparramávamos em futons e camas estranhas dando boas-vindas ao sono do qual necessitávamos; fumávamos cigarros e começávamos conversas tentando nos manter acordados para sempre. Não sabíamos o que queríamos, não sabíamos de nada, e estava tudo bem. E estava tudo bem.
Hoje, a gente vê o nascer do sol pelo outro lado, do lado daqueles que acabaram de acordar. Despertando assustados de sonhos estranhos dos quais não conseguimos lembrar, encharcados de suor e solidão, vamos arrastando os pés doloridos até cozinhas silenciosas em busca da cura inexistente para a ressaca da vida. Abrimos janelas e geladeiras para contemplar nossos desejos e lembrar dos nossos erros; entramos na internet em celulares e computadores tentando buscar a impressão de um amor que um dia achamos já ter sentido; nos enrolamos em cobertores e abraçamos travesseiros, tremendo, tomados pelo medo de dormir, mas com o terror de acordar; sentimos vontade de fumar e lembramos que precisamos parar, com isso e com tudo mais que já nos fez felizes; começamos monólogos em redes sociais tentando capturar a atenção de alguma alma que possa salvar a nossa. Save Our Souls, SOS, escrevemos repetidamente sem resposta em muros digitais. Esquecemos, sim, o que é querer; e nem lembramos da última vez em que quisemos algo verdadeiramente, e isso é tudo que nos resta. Sim, é pouco, é ruim, mas é tudo o que sempre merecemos. O que sempre pedimos para acontecer.
Amanhã, como será o amanhecer? Amanhã, como será amanhecer?