
Quando as mitologias (e as religiões), como a DC, se tornam Propriedades Intelectuais as coisas se complicam.
Porém, no início, tudo é festa. Os mitos e lendas se avolumam, sem controle, ou regra. Num dia as concubinas dos deuses estão grávidas, no outro, era tudo um sonho. Na manhã seguinte os filhos que não nasceram surgem do futuro, e, juntos com os pais, presumidos, salvam o mundo, até descobrir que seus pais eram de outra dimensão. Já viu onde isso vai dar…
Os fiéis antigos, confusos com essas múltiplas versões, param de participar dos rituais; novas religiões concorrentes seduzem as congregações abandonadas; as novas gerações não conseguem se inteirar da complexa cronologia ou entender as referências teológicas das crenças originárias; e, então, alguém descobre que mobilizar as pessoas em torno de narrativas é poder, político, financeiro, e cultural. E, óbvio, ninguém quer abrir mão desse poder. É nesse momento de caos que a crença orgânica, quase animista, começa a ser encarada como propriedade de um grupo.
Aí vêm as reformas. As externas, daqueles que se apropriam dos conceitos iniciais por se acharem os verdadeiros crentes na palavra divina; e as internas, dos que comandam os grupos e instituições construídas ao redor dessas histórias, buscando manter os atuais fiéis e arregimentar novos. Os reformistas, dizem que é tudo em nome da fé, mas, se não tivesse dinheiro envolvido, provavelmente nada aconteceria. Ou, pelo menos, não aconteceria dessa forma.
A DC vive isso há anos. Desde a Era de Prata, nos anos 50/60, quando recriou seus heróis originais; na Crise nas Infinitas Terras; na morte do Super Homem, e na quebra da coluna do Batman; nas reativações da Crise; no 52; e, enfim, agora, no universo Absolute. Li as primeiras edições de Batman, Super Homem e Mulher Maravilha. Não são ruins, tá, são até legais, mas a cada quadro, a cada página eu ficava me perguntando: “Pra quê, senhor? Pra quê?”.
Há de fato uma necessidade quase religiosa de rever os velhos mitos à luz dos novos tempos para novos públicos? A intenção puramente comercial justifica essas constantes recriações? Ou essa é uma tentativa sobrenatural dos mitos não morrerem manifestada pela vontade de sacerdotes/autores e fiéis/leitores? Ou, pelo contrário, uma insistência em manter vivo algo que já deveria ter morrido ou sido esquecido? Não sei, não sei, mas, nessas horas, acaba que a escolha preguiçosa e desleixada da Marvel de manter sua cronologia um caos completo parece até ser ética. (Cá entre nós, não é)
Ah, Super Homem, por que não ficaste morto nos anos 90? Senhor, eles realmente não sabem o que fazem…

Mas dessa vez, pelo menos, fizeram uma Mulher Maravilha com cara de grega.
