Hoje de manhã estava preparando o café, quando me toquei como O Cavaleiro das Trevas tentou me tornar um fascista aos 12 anos. O ano era 1987, eu estava na 6a. série e um amigo trouxe aquela edição da Abril em formato americano pra escola. Babei.
A arte de Klaus Janson, sim, ao contrário do que dizem os créditos, além da arte final, foi ele quem desenhou, era poderosa, crua e fenomenal; ao mesmo tempo que respeitava o modelo das quatro cores, Lynn Varley tornava-as mais sombrias; e o texto de Frank Miller tinha uma profundidade, que hoje sei que é super clichê, mas que na época pra mim e pro usual dos quadrinhos era novidade. Óbvio que virou um clássico. Pra mim e pro mundo.
Aquele Batman amargurado, lutando contra um mundo do qual ele não faz mais parte, onde os políticos e os símbolos nacionais são usados por corruptos, era tudo o que um pré-adolescente precisava como um guia para se tornar fã de governos autoritários e adepto do culto a personalidades. Ainda mais vivendo na “nova” república comandada por um dos caciques da antiga Arena, fingindo que a ditadura já tinha acabado, tudo aquilo tinha uma ressonância especial.
Todo mundo meio que radicalizou na época, achando que replicar o Cavaleiro das Trevas era punk, mas na verdade era bem fascistinha. Tanto nas idéias como na estética. Lembro de, na época, ter emprestado a revista inúmeras vezes, tanto pra quem queria discutir a sua “filosofia” como pra quem queria copiar o visual dos Filhos de Batman pra ir a festas a fantasia. Dava a impressão que ia ser um desses timeless classics, mas, como muita coisa, não resistiu ao teste do tempo.
No ano passado reli e, apesar de ainda enxergar a qualidade na execução e o esmero nos detalhes, achei uma besteira só. Um velho impotente, tentando reviver fantasias de poder da juventude, joga a cidade, que ele podia salvar com dinheiro e gestão, num caos completo, pra provar que é macho e reviver suas paixões pedofílicas. Uma espécie de modelo pros fascistas de hoje. Uma fantasia de passado glorioso que precisa ser reinstaurada através da violência contra grupos “maléficos” que um líder supremo considera desviantes.
O Cavaleiro não ficou pior, nem melhor, fui eu que, graças a Deus, cresci. Uma pena que tanta gente velha ainda curta essa fantasia escatalógica como meninos de 12 anos, ainda traumatizados pelo complexo de castração e atemorizados pela impotência vindoura.
Assim que cheguei nessa conclusão, abandonei esse pensamento, terminei meu sanduíche e fui tomar café. Batman, fascistas e afins ainda deviam estavam acordando para suas alucinações conspiratórias, mas eu já precisava trabalhar. Afinal, ao contrário do que os batmaníacos fascistas desejam, o mundo não acabou. Ainda.