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Conservadorismo à Brasileira

De 2014 a 2016 eu morei na Almirante Gonçalves, na época, a única rua sem saída de Copacabana, e, até hoje, lar do Bip-Bip. Pra quem não conhece, o Bip Bip é um botequim minúsculo onde rolam rodas de choro e samba. Foi administrado durante muitos anos pelo impagável e saudoso Alfredinho, que distribuía o seu mau humor ao mesmo tempo que acolhia os fregueses e a vizinhança com seu enorme coração.

Inaugurado no dia da assinatura do AI-5, o Bip, além de um reduto cultural, tombado pela prefeitura, sempre atraiu um grupo intelectual de esquerda que adorava discutir com o Alfredinho, petista de raiz. Alfredinho tinha também um trabalho social bem forte na área, que era coroado com um almoço de Natal que ele fazia para a população de rua.

Por conta do samba, e, agora me caiu a ficha, pela sua posição política e atitude solidária, o Bip era vítima do ódio de vários moradores que clamavam pelo seu fechamento. Mesmo com toda essa torcida reacionária contra, o Bip se manteve firme com pequenas modificações na sua atuação: a música migrou da calçada pro interior do bar, e, em vez de aplausos, os clientes estalavam os dedos ao fim das músicas.

Um dia, voltando bem tarde pra casa, pelo caminho da praia, passei no Bip, onde a galera animada curtia uma roda de samba curiosamente acompanhada por um russo no violoncelo. Duas lojas à frente, tinha um depósito de gelo que servia de bar e espaço para uns bombadões desocupados da área assistirem a jogos de futebol e tomarem cerveja na rua. Nesse dia, lá no Gelo, dois caras assistiam a um jogo, sentados em cadeiras de plástico, fumando maconha.

Quando a música terminou e o povo começou a estalar os dedos, os caras do Gelo aproveitaram a deixa e começaram a gritar:

– Vai pra Cuba, seus petistas. Lula Ladrão! Calem a boca, seus esquerdistas do caralho.

O povo do Bip, já acostumado com essas reações, nem se ligou. Enquanto eu passava na frente dos dois paladinos da moral e dos bons costumes, um entregou o baseado pro outro e disse:

– Me admira você, fulano, o maior maconheiro de Copacabana, dizer que vai votar no Bolsonaro.

O outro deu uma bela tragada, soprou a fumaça em direção ao céu e respondeu:

– Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

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