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Duas segundas

Uma segunda qualquer em 2015. Eu acordava cedo com uma leve ressaca. Tinha fome mas a guardava para um momento especial. Tomava um banho quente e demorado, me vestia, e pegava o 434 pra ir pro trabalho.

Saltava na Mem de Sá e, ao invés de seguir pela Rua dos Inválidos, eu rumava pela Ubaldino do Amaral que me levaria mais próximo do meu destino. Ao lado da Caixa Econômica da Henrique Valadares numa rua quase de pedestres, lá estava ela: a padaria.

Era cedo, mais cedo do que meu horário de entrada no trabalho, mas ela já estava cheia. As pessoas se moviam freneticamente pelo espaço restrito, esbarrando entre si e com produtos velhos que ficavam em gôndolas esquecidas. O que as pessoas queriam de verdade estava do outro lado do balcão.

Havia várias tribos: o pessoal do suco de goiaba e sanduíche natural; os que queriam um salgado, ou dois; os que enfiavam o pé na jaca e já pediam um chessburger com coca; e o meu povo, o do misto com ovo. Buscando um alívio físico para a ressaca de domingo, e um suporte espiritual para aguentar a semana, o nosso pedido era sempre o mesmo:

– Um suco de laranja, um misto quente com ovo no pão francês e 100… não, 200 gramas de pão de queijo.

Com o adendo:

– Pra viagem. Aceitam ticket?

Pedido feito, era hora de navegar pelo mar de corpos que me impediam de chegar ao balcão e entregar a notinha ao chapeiro.

– Posso botar manteiga?- ele sempre perguntava.

– Capricha- a gente sempre respondia.

Ansiosos, esperávamos pela vez que o nosso sanduíche fosse pra chapa. Depois desse… será que… agora vai. E ia. Eventualmente. Não demorava nada, mas parecia uma eternidade. Sanduíche pronto, suco no copo para viagem e o saquinho de pão de queijo.

– Olha o misto com ovo do amigo! – ele avisava que estava na minha hora de ir trabalhar.

Equilibrando meu café da manhã, eu passava pelas catracas, chamava o elevador e chegava até a minha mesa. Ninguém ao meu redor. Ligava o computador e, enquanto ele zunia baixinho iniciando seus sistemas e ventoinhas, eu abria meu banquete. Beliscava um pão de queijo, dava um gole no suco e uma generosa mordida no misto com ovo. Ele descia quente até a minha barriga e me dava uma sensação gostosa de voltar para casa. Abria o e-mail, e, entre uma mordida e outra, eu começava a trabalhar. Estava tudo bem.

Hoje, uma segunda feira em 2021. Acordei cedo. Uma ressaca similar a de 6 anos atrás, mas, ao mesmo tempo, completamente diferente. Não tenho pra onde ir. Me arrisco a fazer um misto com ovo, eu mesmo. Não fica ruim, mas não é a mesma coisa que o da padaria. Não falta só habilidade, falta contexto.

Na despensa que transformei em armário office, ligo o computador, que inicia muito mais rapidamente do que há seis anos, e começo a trabalhar. Entre uma mordida e outra, sou transportado para a padaria. Seus cheiros e sons, suas emoções e sensações. Sinto saudades. Me pergunto se a padaria ainda está aberta após todas as crises que vivemos, incluindo a pandemia. Recorro ao Google Maps. Diz que está aberta, mas a foto, de 2019, mostra uma porta fechada com uma placa de aluga-se.

Eu me atrevo a ligar para o número que consta ao lado do endereço:

– Não foi possível completar sua ligação. Por favor, verifique o número e tente novamente.

Será que depois de tudo o que passamos, não teremos mais um lar pra voltar? Dou uma outra mordida no misto, já frio, e ele desce com um gosto amargo. Ainda há trabalho a se fazer, graças a Deus, mas não há mais o sabor de tempos atrás. Será que se eu fizer um pão de queijo, as coisas vão melhorar? Claro, pão de queijo sempre torna tudo melhor.

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