Sempre, quando a festa começava a chegar ao fim, os amigos pediam:
– Toca esotérico. Esotérico. Toca esotérico.
E o pedido nunca era para um, nem para o outro. Era um pedido pros dois.
Eles, mesmo brigados, por motivos dos quais não lembravam mais, sorriam pros amigos, com sinceridade, e um pro outro, com falsidade, e buscavam seus violões. Sentavam-se um ao lado do outro, mas afastados, e tocavam.
Não precisavam de deixas ou marcações. Sabiam a hora de começar a solfejar juntos, a hora de um cantar e de o outro calar. Sabiam até quando um devia assoviar e o outro simplesmente sorrir. Faziam primeiras e segundas vozes, intercalando os versos em perfeita harmonia. Uma harmonia que há muito não existia.
Quando a música terminava, com um acorde longo, síncrono, quase infindável, todos se levantavam e aplaudiam, homenageando uma amizade que não era mais real. E eles, como pedia o figurino, se abraçavam, e agradeciam ao público, fingindo serem os jovens velhos amigos que a memória lhes dizia: nunca fomos.
E por um breve momento, nesse fim de música, os amigos e eles mesmos acreditavam nesse pastiche de amor fraternal, irreal, surreal.
O nome da música, que parecia lhes unir, ser “esotérico” não era uma simples coincidência. Era ao mesmo tempo uma afronta e um destino. Amizade era exatamente um conhecimento hermético do qual eles tinham feito questão de esquecer.