Saindo do Santa Bárbara, o taxi tomou um caminho diferente do que a gente esperava.
– Ei, moço- minha mãe alertou-, você tá indo pro lado errado. A gente vai pro Leme.
– Vai, não- meu pai interrompeu. – Pode seguir, moço. Ele sabe pra onde a gente tá indo.
Até o taxista sabia mais da vida da gente do que a gente.
O carro seguiu pelo seu caminho misterioso, passou na frente do estádio do Fluminense, pegou o viaduto Jardel Filho, e, depois de seguir pela Marques de Abrantes, nos deixou numa esquina, na frente de um posto de gasolina.
– Gostaram? Então, é aqui que a gente vai morar agora- meu pai tentou amenizar o choque, apontando para um prédio quadrado, de pastilhas, sem graça e sem vista pra nada.
Por fora, parecia uma prisão. Embaixo dele uma padaria, uma papelaria e um botequim; na sua frente, além do posto, uma banca de jornal. Prático e triste.
Pra quem morava de frente pro mar, cercado por restaurantes e hotéis exóticos, era uma mudança. Com certeza pra pior. Um fim de infância.
– Então, vamos conhecer o apartamento novo?- meu pai convidou, fingindo animação.
Condenados, pegamos as malas que nos acompanharam desde as férias na casa do meu avô em Campina Grande, pra onde fomos quando ainda morávamos num lugar que amávamos, e seguimos meu pai pelo prédio no qual não escolhemos, mas no qual seríamos obrigados a, morar. Pelo menos por enquanto.
Subimos 3 andares num elevador velho, lento e apertado. Equilibrando chaves e malas, meu pai, com dificuldade, abriu a porta do apartamento 302. Toda a nossa mudança estava lá, ainda encaixotada. Em breve descobriríamos a quantidade de coisas que perdemos ou foram destruídas pelo descaso de quem nos mudou. Tanto os carregadores quanto o meu pai.
O apartamento, crú, precisava de pintura e cortinas. E em todos os pontos de luz as lâmpadas balançavam ao sabor do vento, penduradas por fios pretos e sem lustres. Não era um lar. Era uma ocupação.
Minha mãe me puxou num canto, conspirando:
– Não vamos ficar aqui seis meses. Pode confiar.
Confiei e ela estava certa. E errada. Não ficamos 6 meses. Ficamos 16 anos. E sempre nos sentimos como no primeiro dia: traídos.
Quando conseguimos escapar, primeiro minha mãe, sozinha, depois eu, fugido – meu pai nunca morou lá de verdade-, não olhamos pra trás, nem tivemos saudades. Até agora.
Hoje passei na frente do prédio. Ele continua quadrado, com pastilhas, sem vista e sem graça. O botequim e a padaria viraram lojas de colchões. A papelaria ainda existe, mas mudou de nome. O posto de gasolina, como quase tudo, deu lugar a uma farmácia. A banca ainda está lá, mas foi movida para o outro canto da rua. Senti saudade. Não do apartamento, mas de quem éramos, de quem não seremos mais.
Mesmo nos momentos ruins, como no dia daquela mudança, havia a esperança de uma nova mudança para um lugar melhor, para um tempo melhor. Pra onde foi toda essa esperança? Deu vontade de parar um taxi e perguntar ao taxista. Talvez, como da outra vez, ou pela primeira vez, ele saiba o lugar certo pra onde deve me levar.
Texto sobre memória e identidade escrito na Oficina de Escrita de Paula Maria.