Ensaios Ficção

Gravidez, esporte coletivo

Tudo começa com a suspeita. Atrasou? Atrasou. Quanto? O suficiente. Vocês vão comprar o exame. Na farmácia. Qual eu escolho? Todos são tão parecidos. Sei lá. Qualquer um. Compra um nem muito caro, nem muito barato. OK. OK. Qualquer um. Aí surge o primeiro participante. O farmacêutico. Parabéns. Parabéns pelo o quê? Você sabe. Ainda não sabemos. Eu sei. Parabéns.

Vocês levam o exame pra casa. E aí? E aí o quê? Qual o resultado? Calma, deixa reagir com o xixi. E aí? Acho que deu positivo. Tem certeza? Aqui, ó. É, parece. Será que você não deixou muito tempo na urina? Tá bom, foi isso mesmo. Melhor conferir, né?

Aí vocês tem quase certeza, mas vão fazer o exame. De Sangue. No laboratório. Médico. Assistente de Laboratório e um bando de gente para processar o resultado. E aí? Saiu? Saiu. Deve estar na Internet. Vamos ver pelo celular. E aí? Não pode estar certo. Como assim? Diz que se deu acima de 5 é gravidez. Quanto deu? 5. MIL. Então, confirmou. Não sei. Claro que confirmou. Deixa eu ligar pro laboratório. Mais uma pessoa. A atendente. Esse resultado tá certo? Tá, sim, senhor. Parabéns. Obrigado. E aí? Não tava certo? Certíssimo!

Vocês saem para comemorar. Brindam. Sem álcool. Pelo menos um de vocês. Pra quem vamos contar? Como assim? Agora, vamos contar pra quem? Só pros mais próximos. E pros outros? Depois dos três meses. É. É melhor. Pra não dar azar. Isso aí, bate na madeira. Pais. Mães. Irmãos. Só eles? Ah, e os melhores amigos? Só alguns… Segura a língua. Lembra? Ai, tá. Bate na madeira.

Vocês contam. Arrumam um bando de cúmplices. Coisa difícil de organizar. Olha, só tô contando pra vocês agora, pros outros, só depois dos 3 meses. OK? OK, mas será que não posso contar só pra… Pra ninguém. OK, pra ninguém. Tá? Tá. Boca de Siri? Boca de Siri. Promete? Prometo. Será que cumprem? Não temos como saber. Vamos confiar.

Outros entram no jogo. Sem saber. Ela não está bebendo? Não, tá tomando antibiótico. Ah, mas isso não tem nada a ver. Sei, sei, mas é melhor não arriscar. Não vão ficar mais? Não, estamos cansados. Estranham. Tá tudo bem? Tudo ótimo. Tem certeza? Vocês não parecem mais os mesmos. Não mesmo. Mas eles ainda não podem saber.

3 meses. Agora podem. Quem vai ser a primeira? Liga pra fulana. Não tá em casa nem atende o celular. Manda e-mail. Que chato, melhor esperar pra falar, né? Quem é a próxima da lista? Eu queria contar pra fulana primeiro. Então vai esperar? Não, segue a lista. Conta pra uma. Pra duas. Pra várias pessoas. Cada pessoa numa situação diferente. Sempre o mesmo pedido: não conta pra ninguém. Sabe como é: queremos que saibam de nós. Concordam. Mas cumprem? Não temos como saber.

As mais diversas reações. Eu já sabia. Que surpresa! Já não era sem tempo. Mas já? Todas alegres. Benza Deus. Perguntas? As mais diversas. Quando foi? O quê? A concepção? Sei lá. Querem o quê? Menino ou menina? Se vier com saúde… Que clichê. Sei, sei, mas precisamos começar a usar clichês, seremos pais, né? E o nome? Já escolheram? Errr… quer dizer…

Vocês já escolheram. Mas não decidiram. Testam os nomes. Com os pais. Adorei. Que lindo! Mas quer dizer o quê? Ah, sei lá. Testam com os amigos. Mas são só esses? Não, temos outras opções. Quais? Esses. Ai, Jesus, esse não. Se eu tivesse um filho ia chamar assim. Então, quando tiver, você dá esse nome. Vocês não dizem, mas tem vontade. Então já está decidido? Quase, mas tudo depende do sexo, né? Já fez a Ultra?

Fez. A primeira. Novos participantes no jogo. Deita na cama. Passa o gel. Ouve pela primeira vez o coração. A maior emoção. Ouve só, amor? Forte, né? Logo as questões práticas surgem.Então, doutor, já deu pra ver o sexo? Ainda não, mas se eu fosse apostar diria… Sério? Sério, mas não posso confirmar. OK. OK. Não confirmam mas sonham.

Acompanhamento. Pré Natal. Você tem que conhecer a médica, ela é a maior maluca. Sério? Sério. É mesmo. E aí vai querer como? Como o quê? O parto? Não pensei nisso ainda. É, espera. Não precisa pensar nisso agora. OK. OK. Deixa pra lá, mas pensa. Um pouco.

Vem a segunda Ultra. Dessa vez vai. Ouve o coração mais uma vez. Mó emoção. Voltando às questões práticas… E aí? Agora dá pra saber o sexo? Deve dar. Deixa eu ver. Olha tá difícil. Dá pra tentar? Deixa eu ver. Olha! O quê? Não tá vendo? Tô? Aqui, ó. Olha, é mesmo! Parabéns, parabéns. Era o que queriam. Era. Então, parabéns novamente. Depois da Ultra: cá entre nós, você viu? Não, mas vamos confiar, né?

Tasca a contar pra todo mundo. Agora o sexo. Reações similares. Eu já sabia. Que surpresa! É a cara de vocês. Nunca imaginei vocês pais de… Obrigado, obrigado, obrigado. Aparecem os primeiros presentes. Oh, que lindo! Ó, é pra usar quando sair da Maternidade. Ó, é pra usar no 7o. dia. Ó, é pra usar… A criança tem mais roupa por dia do que um batalhão de debutantes. Vocês prometem usar e agradecem.

A barriga cresce. Tira foto. Compartilha. Olha que linda! Parabéns. Mais presentes. Tira fotos dos presentes. Agradece. Não vai fazer álbum? Álbum? Álbum da gravidez. É legal? É, viu o da fulana? Vêem o da fulana. Tem certeza que quer fazer? Tenho, o nosso vai ser diferente. Tiram as fotos. E, graças a Deus, é realmente diferente. E o chá de bebê? Ih, é. Tem isso, né? Tem. Só obrigação.

Entram no jogo fotógrafo, buffet, coisa e tal. Começam as comemorações. 1. 2. 3 chás de bebê. Fraldas, fraldas e mais fraldas. Será que vai usar tudo isso? Pode crer que vai. A barriga cresce mais. O tempo passa. Tá chegando a hora, né? Pois, é. Como está? O quê? A ansiedade. Sei lá, normal? Já pensaram nisso? Não. Naquilo? Não. Vocês precisam pensar naquilo outro. É mesmo? Pensam. Muita coisa pra pensar. Os que já tiveram filhos dão seus conselhos. Comigo foi assim. Com você não vai ser diferente. Eu também tinha essa ilusão. Pode esperar. Os que não tiveram dão seus palpites. Eu li que… A minha irmã… Quando eu tiver… Obrigado, obrigado, obrigado.

Preparam o quarto. Compram móveis, brinquedos, roupas e badulaques. O quarto fica uma zona. Arruma. Pronto. Agora só falta a criança. Espera. Daqui a pouco estará por aqui.

O tempo passa. A atenção diminui um pouco. Ainda não nasceu? Pra quando é mesmo? Tá demorando, né? Um pouco, mas é normal.

O jogo vai chegando ao fim. Vocês estão cansados, mas tranquilos. A espera é o que mata. Ai, não vejo a hora. Nem eu. Daqui a pouco acaba. Acaba nada. Você é que pensa. Daqui a pouco começa. Tem razão. Ai. O que foi? Contratação? Não, não, relaxa. Ainda não foi dessa vez. Mas vai ser. E imaginar que passamos isso tudo sozinhos. Sozinhos? É, nós dois. Quer dizer nós três, né? É, nós três. Nos três e mais o resto do mundo. Isso aí, exatamente como tinha que ser.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.