Ensaios

Je suis Charlie… comme si, comme ça

Agora que já passou a comoção inicial e as camisetas “Je suis Charlie” já começaram a sair de moda, dá pra começar a sentir qual é a verdadeira opinião da população sobre o fato. Ao invés de uma defesa da liberdade de expressão e, consequentemente, do modelo liberal ocidental que deveria nos pautar, vejo surgir, no meio dos comentários de revolta contra o ato terrorista, o famoso “eles pediram”.  Sim, pode prestar atenção. Lá, escondido, entre os “Que absurdo”, “Como isso foi acontecer” e “Coitados”, o povo solta um “junto com os cartunistas morreram vários inocentes” ou o mais comum “também, olha só com quem eles foram mexer”.

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Isso aí. Vamos culpar as vítimas.

Não sei o que isso significa, mas me parece mais uma questão de dois pesos e duas medidas. Tipo a polícia no Brasil. Quando bate nos outros, aplaudimos a sua eficácia. Quando bate na gente, condenamos a sua rigidez. Imagino que essas pessoas, quando pensam no caso, até conseguem se colocar no lugar dos cartunistas, mas, como não conseguem criar nada, tem muito mais facilidade de se imaginar como aqueles que são vítimas de suas galhofas. E, como o próprio Santo Padre disse, “experimenta falar da minha mãe pra tu ver”.

A impressão é que os direitos à livre expressão, à igualdade, à liberdade, à individualidade só são bons se houver toda uma classe destituída dos mesmos. Só apoiamos verdadeiramente uma sociedade na qual somos A ELITE. Se não a somos no modo global, aproveitamos universos particulares para impor a nossa liberdade sobre os outros que deveriam se sentir oprimidos ante a nossa presença. Usamos e abusamos dos nossos momentos de pequenas autoridades. E não são todas pequenas assim?

Numa hora dessas me imagino tendo que explicar à minha filha por que diabos fui trazê-la a um mundo estragado desse jeito. Só consigo pensar em uma resposta:

– Sei lá, querida. Achei que você podia dar um jeito nessa bagunça aí.
– Pai, você me põe em cada uma…
– Entendo, filha, mas relaxa. Tua avó fez o mesmo comigo.

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