Estou há quase seis meses em quarentena e, sim, sinto saudades de pessoas. De certas pessoas. De algumas, durante essa pandemia, descobri, até quero distância. Por diversas razões. Quem disse que não há males que vem para o bem?
Mas, na boa, muito me espanta esse povo que fura quarentena pra ficar aglomerado nas ruas do Leblon. Não acho possível que sejam movidos por uma irresistível saudade de alguém ou pela falta de contato humano. Pra mim é só o capricho básico de se achar melhor e mais protegido por Deus do que os outros.
Uma outra coisa que me intriga é o que diabos esse povo conversa nessas aglomerações. Durante a pandemia eu comecei a exercitar um grande diálogo interno e muitas vezes, quando sinto vontade de expressar algo, descubro que só ter pensado é suficiente. Afinal quem precisa saber que amei aprender a fazer crepioca, que o livro da Aline Valek reforçou a minha convicção num processo gradual e consciente de extinção da raça humana, ou que estou cheio de saudades de ir na Baratos da Ribeiro? Óbvio, ninguém.
A maioria das coisas que pensamos, aprendi, não merecem expressão e boa parte das coisas que expressamos mereciam ter sido repensadas. Por isso, o mistério. O que diabos esse povo fala nessas aglomerações?
Tenho minhas apostas. Devem elogiar a cloroquina; fazer elegias do em breve extinto Paulo Guedes; babar pela Micheque e pela suposta virilidade do coiso; contar das vezes que ralaram e rolaram com a Flordelis; discutir o quanto pagam a milicianos ou a ALERJ para conduzirem negócios escusos em seus currais; debater quem seria melhor presidente, o Dória ou o Huck; perguntar em qual candidato do partido Novo o colega vai votar; comentar o quanto acreditam que Damares é bem intencionada; e reforçar que, apesar dos pesares, ainda preferem o Crivella ao Freixo. Será que esse papo vale o risco de morrer (e matar) de CoVid? Eu acho que não e por isso vou aqui exercitando o meu diálogo interno enquanto o povo bebe em pé na Dias Ferreira e revela a sua soberba mediocridade.
Mas não vamos culpá-los. Infelizmente pensar não é pré requisito para falar, mas, pra manter o distanciamento social, é.