O Editor Invisível

[oei#00] A presença insofismável da carreira fantasma

Com quinze anos, não sabia o que queria da vida, mas coloquei na cabeça que iria trabalhar com jornalismo, só não sabia exatamente com o quê ou como. Já produzia uns fanzines e a maior parte do meu tempo era devotada a desenhar, ler, e escrever, portanto, a inclinação para a carreira, mesmo que obscura, me parecia simplesmente natural.

Na mesma época, meu colégio nos ofereceu a oportunidade de fazer uma iniciação científica, e, para a minha surpresa, jornalismo era uma das opções. Não estava sozinho em minhas ambições. Alguns amigos também seguiram a minha linha, fazendo pesquisas mais acadêmicas sobre metáforas futebolísticas e técnicas de entrevista. Sem saber a que me devotar escolhi o caminho fácil(?) de participar do processo de edição de um número de um jornal(zinho) cultural. Na primeira entrevista com meu futuro orientador, animado pelas minhas aventuras no mundo dos fanzines, mostrei meus projetos cheio de orgulho. Ele olhou o material já publicado e impresso em xerox, pegou a matriz da capa do Twilight Zone, meu novo projeto ainda em concepção, exibindo uma colagem de uma foto enorme da Deborah Harry cercada de ogivas nucleares e personagens do Watchmen, torceu o nariz e riu baixinho.

-Isso aí não passa de uma fantasia. Agora, isso, sim, é A REALIDADE- sentenciou e me entregou a última cópia do tal jornal(zinho) de sua criação, careta e feio, que eu iria editar.

Não deu outra, peguei ranço.

Passei três meses tétricos, resumindo textos chatos e tentando encaixar as colunas convidadas e mal escritas num arquivo do PageMaker num Macintosh já antigo para o ano de 1991, mas persisti. Depois de muita batalha, finalmente entreguei a edição com louvor, mas, cheio de ódio, prometi que nunca mais iria me dedicar a esse tipo de trabalho.

Óbvio que era mentira.

Traumatizado, escolhi outra carreira na faculdade, me formei, comecei a trabalhar, e, ao contrário do que prometi, não deixei essa linha de trabalho, mas o fazia, como bem definiu o Steven Pressfield em Turning Pro, como uma espécie de carreira fantasma.

Enveredei pela área de educação corporativa, mas, cá entre nós, na verdade trabalhava com edutainment: escrevia e editava livros de negócios e publicações técnicas, algumas em formato de ficção ou quadrinhos; roteirizava e produzia animações para treinamentos gamificados; dava cursos sobre storytelling e desenvolvimento de criatividade; e desenvolvia jogos e material de divulgação para aprendizagem organizacional. Em suma, fingia trabalhar na educação, mas era, pelo menos na minha cabeça, escritor, roteirista, produtor, e editor. Pra piorar, em determinados momentos da minha vida, ainda fui sócio e gerente de duas livrarias.

Não posso negar, a carreira fantasma me satisfazia e, além do mais, pagava e paga as minhas contas. Mas, nas imortais palavras de Beto Gessinger, “tudo que eu sentia era que algo me faltava e à noite eu acordava encharcado em suor“. Pra aplacar essa falta, acabava que, como hobby, fazia algumas incursões em projetos mais artísticos, mas sempre como brincadeira.

Aí bateu a pandemia.

Estranhamente, sem o trajeto pro trabalho e as atividades sociais, mesmo com o aumento da carga horária, fiquei com uma quantidade de tempo maior que o usual e comecei a me envolver em cursos de literatura, cinema e criatividade. Fui da Literatura Infantil ao Roteiro de Documentário, da Flash Fiction às propostas de Ítalo Calvino para o século XXI. Aos poucos, estimulado por esses novos contatos e iniciativas, assim, organicamente, comecei a conduzir minhas próprias oficinas e projetos colaborativos.

Foi assim que ministrei duas turmas de O Caminho do Artista e uma dos Funambulistas; organizei o micro-conte se e o Da Pupa à Polpa; participei do coletivo Camiinhantes, e da criação do Literoutubro junto com a paulamaria; e, ainda, editei o livro Contos de uma Autoridade Sanitária e liderei a edição da coletânea Meia Dúzia de Natais, além, óbvio, de editar meus próprios livros.

Quando entramos no novo normal, que não passava de uma versão requentada e acelerada do velho, não consegui mais voltar ao modelo de carreira fantasma com a mesma tranquilidade. Ainda curtia o que fazia no meu trabalho, mas, sentindo os 50 anos batendo à minha porta, não podia deixar o desejo abafado por ranço há 35 anos continuar enclausurado. Estranhamente o meu próprio trabalho começou a me requisitar as habilidades que eu exercitava na minha “vida paralela”, incluindo, pasmem, criar uma editora técnica, e tudo começou a ficar cada vez mais alinhado.

Assim, seguindo a velha máxima de que pra virar mito é preciso cumprir o rito, resolvi me dar o direito que nunca tinha me permitido e oficialmente me dedicar a me tornar o editor que, bem ou mal, de certa forma, desde os fanzines da minha adolescência, sempre fui ou ambicionei ser.

Hoje, às 9 da manhã do dia 27 de julho de 2024, dei então inicialmente início ao meu aprendizado formal na pós em Edição e Gestão Editorial do NESPE. O que sairá desse novo caminho, na boa, não tenho ideia, mas, seguindo os preceitos do Personal Knowledge Management, vou registrar os aprendizados e descobertas por aqui.

Convido você a abandonar o futuro do pretérito e fazer esse caminho em direção ao futuro do presente junto comigo. Não sei o destino, mas não tenho dúvida que o caminho será divertido e surpreendente.

Boas vindas a esse novo momento da minha, e, por que não?, também da sua vida. 😉

Segure-se na cadeira, essa viagem promete grandes emoções.

Glória Maria na montanha russa na Jamaica

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