O Editor Invisível

[oei#16] As sucessivas preparações do texto como o esculpir do livro

Um original é uma provocação. Seja ele submetido pelo autor a uma editora, ou requisitado por ela, o original, quando chega nas mãos do editor, não é um livro; não é sequer o texto com o qual os leitores irão se encontrar; o original é o começo de uma conversa entre o autor e diversas instâncias que, se tudo correr bem, irá culminar na ambicionada conversa com o leitor.

Tudo começa com o editor. Nesse primeiro encontro há a identificação de quem será o leitor ao qual o texto se destina. Nessa primeira conversa, descobrimos ou detalhamos quem é o leitor ideal do livro, aquele que merece conhecer a história que ele conta, e que irá se deslumbrar com a sua narrativa.

Identificado o leitor, o texto passa ao preparador para ser analisado sob o olhar do seu público, da voz do autor, e da linha da editora. Nesse exercício de interseções, buscamos repensar o texto, seus personagens, sua estrutura, a sua coerência interna, sua linguagem, e a sua forma na busca por esse encaixe perfeito.

Antes dessa leitura, é possível também ser realizada uma leitura crítica que o prepare para a própria editora, ou uma leitura sensível, que identifique, e corrija pontos que possam ser ofensivos a públicos específicos, como bem mostra esse belo guia em formato de quadrinhos de Diana Salu sobre como escrever personagens trans.

No caso de textos em outras línguas, também é preciso verter eles de uma língua para outra, e, em alguns casos, com base nisso, inclusive pode ser preciso alterar a sua estrutura e ordem, como no caso dessa tira de Tom Gauld, onde na tradução literal (Figura 1) não temos a mesma facilidade de leitura que uma alteração da ordem de leitura proporcionaria considerando a diferença da estrutura do inglês para o português (Figura 2).

Figura 1 – Tradução Original e Literal Graficamente
Figura 2 – Ordem alterada contemplando a estrutura gramatical usual do português

Uma outra leitura possível é a que visa facilitar o entendimento de contextos culturais específicos por públicos leitores diferentes do original. Nesse olhar precisamos entender como adaptar, ou esclarecer as diferenças culturais entre o contexto onde o texto original foi concebido e para quem foi concebido, e o contexto novo onde esse texto visa se inserir, como podemos ver nesse artigo sobre as adaptações alemã do musical Hamilton e indiana de Forest Gump.

Editar, como nos diz Robert Gottlieb em sua autobiografia, Avid Reader, é um processo de leitura sequencial por pessoas que amam o texto. O livro será tão bem sucedido, ou seja, conseguirá atender aos objetivos do autor, da editora, e do público leitor, quanto essas sucessivas leituras forem feitas por pessoas apaixonadas pelo texto, imbuídas desse objetivo, e cientes das necessidades de todas as partes envolvidas nessa construção. O livro, como uma escultura, é, assim, cinzelado por essas diferentes leituras que ao mesmo tempo que polem, cortam, excluem, adicionam, e dão forma ao que o original, como uma pedra bruta, sugeria. O editor, como maestro desse processo, espera, após todas essas interações, poder ouvir uma resposta clara e inequívoca do livro publicado quando finalmente disser: “Parla!”.

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