Nossa visão é curta. Tendemos a achar que o fim do mundo sempre está a uma esquina de distância, e que tudo que acontece hoje nunca aconteceu antes. É assim com a discussão da lei Cortez, que trata a ameaça da Amazon como inédita, pois coloca em jogo a sobrevivência dos antigos algozes das pequenas livrarias, as livrarias de rede. É assim com o movimento de livrarias se tornando editoras, coisa mais velha que andar pra frente, como nos comprova a história da José Olympio, que nasceu livraria/editora e hoje é um selo da Record. E é assim com o “boom” da autopublicação, hoje facilitado pela tecnologia dos livros e impressão digitais, mas que sempre foi uma realidade no setor. Sobre esse ponto em especial, tenho, surpresa!, algumas colocações.
Em As Guerras do Livro do John Thompson nos é apresentado um quadro bem interessante sobre a autopublicação e serviços editoriais, considerando-a não um conceito dummy, zero ou um, mas um espectro. É como se todo livro tivesse em sua essência um quê, variável, óbvio, de autopublicação, sempre dependente em maior ou menor grau de parceiros, sócios, ou prestadores de serviços, e do seu conceito do que constitui autopublicar.
Enquanto o processo de alguns livros, desde o nascimento do desejo da sua criação até a sua manufatura e venda, é (quase) totalmente executado pela pessoa autora, outros tem muitos envolvidos que arcam parcialmente com os riscos dessas empreitadas. Quem já fez fanzine sabe o quanto de gente é envolvida, na amizade ou na grana, para colocar na mão do leitor um simples panfleto distribuído gratuitamente.
Assim, é importante a gente não só pensar conceitualmente sobre o que é uma autopublicação (onde ela começa, quem é o autopublicador, qual o nível de envolvimento de cada um dos interessados), como também enquadrar os relacionamentos existentes no fluxo de publicação numa cadeia de inter, co e autodependências, e não numa linha de oprimidos e opressores, tirando vantagens uns dos outros.
Por isso é essencial que todos os envolvidos no processo editorial tenham pelo menos noção das principais fases, atores, e interfaces entre si, para que os esforços de publicação do livro atendam a, como nos diz Leandro Müller em Como editar seu próprio livro, “(…)aquilo que se pretende alcançar com ele”.
Se considerarmos que até os maiores best sellers são motivadas em boa parte das vezes pelo desejo dos autores, e em outros casos os autopublicadores são as próprias editoras que contratam os serviços de escritores para que a parte textual do livro seja produzida, tudo pode ser encarado como uma autopublicação, sustentada por uma longa e complexa cadeia de serviços prestados, alguns pagos e muitos não, para tornar o tal do livro uma realidade, física ou virtual. O texto inicial pode até ser obra de uma só pessoa, mas o livro, incluindo o texto final, que muitas vezes passa por sucessivas leituras de parentes e amigos não remunerados, é fruto de um esforço coletivo, sem contar, aqui, a óbvia participação do leitor na realização final do seu propósito.
Então, Viva a Inescapável Autopublicação! Afinal, assim como o paradoxal Gato de Schrödinger, ao mesmo tempo em que ela não existe de forma pura, ela está presente, ao menos parcialmente, em todo o processo editorial.