No meio da reunião, a mãe que trabalha, e não trabalham todas?, atende o telefone:
– Que é filha? Tô no meio de uma reunião. É urgente? Tá tudo bem?
– Sim, sim, mãe. É urgente, mas, como você disse, tá tudo bem.
– Se tá tudo bem, por que você está me ligando?
– É o seguinte: o vovô foi dar uma volta na rua e foi atropelado, mas tá tudo bem.
– Como assim, seu avô foi atropelado e tá tudo bem?
– Calma, mãe, tá tudo bem. Ele foi atropelado mas foi de leve. Uma kombi tava dando ré, não viu ele e só o derrubou na rua. Como eu te disse, tá tudo bem.
– Graças a Deus. Então tá tudo bem com ele? Estão em casa?
– Mais ou menos e não. Tá tudo bem, mas quando caiu, ele quebrou a garrafa de cachaça que estava carregando e se cortou bastante.
– Garrafa de cachaça? Seu avô não tinha parado de beber? E você ainda diz que tá tudo bem?
– É, parece que o vovô voltou a beber escondido. Mas tá tudo bem. Os cortes foram superficiais, já as queimaduras são mais preocupantes.
– Queimaduras? Como pode estar tudo bem, minha filha? Você está maluca?
– Tô não, mãe. Tô bem. Que nem o vovô. Vou te explicar o lance das queimaduras. Parece que ele estava fumando quando caiu e a cachaça, como era meio barata, pegou fogo quando quebrou. Mas tá tudo bem.
– Tudo bem uma pinoia. Seu avô bêbado, fumando, mesmo depois que o médico mandou ele parar com tudo? Não dá! Não dá! Em que hospital vocês estão? Vou já pra aí!
– Não estamos em hospital, não, mãe. Estamos numa delegacia, mas tá tudo bem.
– Delegacia? Delegacia? Impossível estar tudo bem. O que aconteceu?
– Parece que o vovô estava fumando maconha quando caiu e quando a polícia veio socorrê-lo, ele resistiu e acabaram encontrando uns papéis de pó com ele e o prenderam. Mas tá tudo bem? Tirando alguns hematomas, os cortes, as queimaduras e as algemas, ele tá quase novo.
– Pó? Maconha? Esse velho enlouqueceu? E você ainda vem com esse papinho de tá tudo bem? Cadê ele? Ele tá aí perto de você? Chama ele. Chama ele que eu preciso falar umas verdades pra esse doido.
– Calma, mãe. Tá tudo bem, ele tá algemado, mas vou colocar o telefone no ouvido dele. Tá, mãe? Espera só um pouquinho.
– Algemado, preso, bebendo, fumando, drogado. Que diabos eu fiz para merecer isso? Como eu posso viver assim e ainda acharem que está tudo bem?
A neta avisa que a mãe vai falar e põe o telefone no ouvido do avô. Ele diz:
– E aí, filha, tá tudo bem?