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Um algoritmo terrivelmente evangélico

Dentro da sua burrice tosca, o que não é verdadeiramente um pleonasmo, pois é possível, porém raro, ser burro e elegante, Bolsonaro está deixando claro que uma profissão que pode ser obliterada pelos processos automatizados por robôs é a de Juiz. Amigos advogados e amigas advogadas, não se levantem ou protestem antes de ouvir meus esclarecimentos. Me explico:

Na sua luta contra o poder judiciário, que ameaça seu bando de amigos torturadores, golpistas e milicianos, Bolsonaro, em claro e bom som, tem lutado para inserir alguns comandos de programação nos processos em votação no STF. O clamor dele, e dos televangelistas exploradores da fé pública, pelo ministro “terrivelmente evangélico”, agora concretizado, busca que o processo decisório da corte tenda para decisões programadas contra os direitos de minorias, contra a legalização do direito ao aborto, e pela proliferação de armas de fogo, dentre outras medidas reacionárias e desumanas. Pelo jeito, para eles a gente devia viver numa cidade de faroeste controlada por puritanos corruptos e com pactos com o demônio. Aparte feito, gostaria de reiterar que essa ação orquestrada de mudança do corpo de juízes do STF contraria justamente uma ideia, que agora está escancarada como um mito, que é a isenção do Juiz.

Em priscas eras, achávamos que os juízes deveriam ser pessoas sábias e cheias de experiência, por isso, em geral, eram mais velhas, que decidiriam ou resolveriam os conflitos entre os cidadãos e, vez ou outra, os paradoxos da evolução das sociedades. A história de Salomão e do menino cortado na metade exemplifica bem isso. A fantasia era que, com a sua sagacidade e isenção, o Juiz permitiria que surgisse dos conflitos humanos uma nova ordem que promovesse a paz e o amor. Com a perdão do termo, balela.

Os juízes, precisamos lembrar, são humanos cheios de vieses, muitos deles advindos da sua herança cultural. Se o país sofre com decisões racistas e misóginas é porque os juízes em sua grande maioria são homens velhos e brancos. E, pior, essa programação está oculta para eles, pois, alçados ao poder por indicações, ou concursos, eles compram a fantasia da isenção e imparcialidade, que tratam como a infalibilidade papal. Eu não erro, pois, se foi decidido por mim, está certo. Kaput.

Olhando para o sistema jurídico como um processo de input (processos, conflitos, dúvidas de interpretação da legislação etc.), processamento (cabeça do juiz), output (decisão judicial), vemos que o problema todo se encontra no processamento, que é sempre uma caixa preta e não segue nenhuma orientação real.

Assim, eu sugiro que transformemos as decisões de nossos juízes num algoritmo, cujas instruções serão votadas por nós. Dessa forma poderemos escolher algoritmos que, num caso de promoção de atos antidemocráticos, nosso juiz robô decidirá 97,3% das vezes em prol do encarceramento dos réus, quando as evidências tiverem grau 3 ou superior de materialidade; ou, num caso de rachadinha, nosso robô irá punir com pena máxima de prisão os envolvidos em 100% das vezes, especialmente se forem réus ligados à casos de lavagem de dinheiro, tiverem relações com milícias ou sejam donos de franquias da Kopenhagen.

Exemplos e brincadeiras à parte, definir o algoritmo dos juízes não é tornar a atividade jurídica menos humana, é simplesmente explicitar os interesses da população na sua ânsia de vigiar e punir. E, se o algoritmo, em algum momento, estiver dando a impressão à maioria da população de ser injusto, ele pode ser recalibrado, sem necessidade de impeachment, sempre refletindo os anseios abertos e transparentes da população.

Além disso, tenho certeza de que a automação desses processos decisórios deixaria as intenções pessoais e dos grupos visíveis e promoveria relações mais saudáveis no meio social, o que já reduziria a nossa necessidade de usar o tal juiz robô. O que, pensando bem, pode ser perigoso. Imagina só se, nesse período ocioso, esse juiz robô resolver reescrever seu próprio código, conduzir uma cruzada contra a corrupção por vaidade, e depois se tornar presidente do Brasil. Ia ser tétrico, não? Já consigo imaginar ele vindo na nossa direção com aquela voz de taquara rachada dos robôs dos filmes B dos anos 50 dizendo: “PT, Perigo. PT, Perigo”.

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