Quando eu tinha uns 13 anos, a minha cama quebrou. Como já estava acostumado a cair no sono na sala enquanto assistia à televisão, não me apressei a consertá-la. E assim ela ficou por quase uns sete anos. Depois do primeiro ano sem uso, eu tomei vergonha na cara, e joguei a cama fora. Assim, enquanto eu continuava dormindo na sala, meu quarto virou uma espécie de sala de estar auxiliar onde eu recebia meus amigos.
O quarto não tinha cama, mas tinha uma TV pequena com vídeo cassete; 3 estantes cheias de livros e quadrinhos; paredes repletas de posters; e um 3 em 1 com os meus vinis. Ah, tinha também um baixo elétrico que um amigo me emprestou e, apesar de nunca ter aprendido a tocar direito, eu dedilhava, e dizia que tinha uma banda punk.
O meu quarto era a minha garagem. Um espaço ao mesmo tempo dentro e fora de casa, onde eu e meus amigos experimentamos com tudo o que devíamos e não devíamos fazer. A gente escrevia poesia juntos; se escondia dos nossos pais quando a barra pesava; varava noites acordados vendo clipes na televisão; jogava tarot uns para os outros; planejava, criava e desistia de fanzines; e, depois que comprei um frigobar usado, a “garagem” também passou a fazer papel de bar. A garagem e nós, mal ou bem, crescemos juntos.
O quarto era tanto a minha garagem que preso na sua porta eu tinha um poster do Major Grubert da Garagem Hermética do Moebius pendurado num abismo. Meus amigos não curtiam quadrinhos como eu e não entendiam o que aquele poster fazia alí, mas eu sabia. A minha garagem hermética, como o mundo do Major Grubert, era meu universo de bolso. A única pergunta que eu tenho é: se a minha garagem era tão hermética como me tiraram de lá? Deve ter sido mágica.