Pra mim era inacreditável que Paquetá, berço do Romance Brasileiro, não tivesse uma livraria sequer. Nem uma banca de jornal, ou, ao menos, um display na estação das Barcas vendendo edições de A Moreninha, tinha.
Quando externei esse espanto ao dono da pousada, ele me corrigiu:
— Paquetá não tem livraria, mas tem uma livreira.
Antes que eu pedisse, ele explicou:
— Parece que ela já teve loja há muito tempo e vende os livros direto da sua casa. Não é bem uma livraria, mas ela é uma livreira. Entendeu?
Entendi. Pedi o endereço. O dono da pousada disse que achava que ela morava perto do Clube Municipal mais ou menos na altura da Biblioteca Pública, mas não tinha certeza. Como acontece em todos esses casos, me sugeriu procurar na Internet.
Não tinha uma página, nem a informação da existência de uma loja de livros em Paquetá, afinal, não era uma livraria que eu procurava, mas uma livreira. Por sorte, no Estante Virtual havia um perfil com poucos livros e, a partir dele, eu, no aplicativo de mapas, achei uma referência exatamente na altura indicada pelo dono da pousada.
Pedi sua bicicleta emprestada e parti em direção à loja, quer dizer, à livreira. Mesmo com o mapa, me perdi, e fui obrigado a atravessar o parque onde se encontra a Pedra da Moreninha, o que considerei um bom agouro.
Quando avistei o Clube Municipal, tive certeza que em breve chegaria ao meu destino. Estava enganado. O número do mapa não existia e eu não consegui identificar dentre as casas fechadas qual delas seria a casa da livreira.
Pra não perder a viagem, resolvi bater palmas na frente da única casa que vi ter uma estante com livros. Em vão. Ninguém me atendeu. Não desisti e continuei. Acabei chamando a atenção de um vizinho que me atendeu do seu muro.
— Tá procurando quem?
— A livraria, quer dizer, a livreira. Me disseram que ela vive aqui.
— Você tá falando da Myrian?
— É- fingi que a conhecia.- Sabe que horas ela abre a loja?
— Sei não. Eu sei que ela tem um bando de livros, mas, pra dizer a verdade, nem sabia que era livraria.
— Não é livraria, mas ela é livreira- tentei explicar e acabei complicando.
— Seja como for, amigo, deu azar ela tá viajando e não sei quando ela volta.
*
Voltei à Paquetá alguns meses depois, e ainda estava com a ideia da livraria na cabeça. Dessa vez, fiz meu dever de casa e percebi que algumas coisas tinham mudado. Ela não era só mais uma livreira. Constava uma loja num outro endereço, agora mais perto das barcas, mas não havia outra forma de contato que não pintar lá.
Deixei passar uns dias e apareci na frente da casa. Mais uma vez fechada e sem campainha. A diferença é que dessa vez não havia livros à vista, mas, em compensação, tinha uma grande quantidade de animais de estimação de todos os tipos no jardim que dava pra ver através das grades do muro.
Sem muita esperança bati palmas até cansar, pois, abafadas pelos latidos e miados dos animais de estimação, não houve vizinho para escutar eu aplaudir novamente uma casa vazia.
*
Quando retornei à Paquetá pro ano novo, na internet, além do endereço – ele continuava o mesmo-, já tinha um telefone com, pasmem, whatsapp. Pra não dar sorte ao azar, assim que cheguei à ilha já mandei mensagem:
<Opa, bom dia, estava querendo conhecer a livraria. Vão estar abertos no fim de ano?>
Depois de um dia, nem duplo tique tinha. A mensagem tinha sido enviada, mas não tinha sido recebida.
Passei novamente na porta do sebo, mas fiquei com vergonha, ou cansaço de novamente aplaudir a minha persistência em conhecer uma livraria. Afinal, essa era uma relação que estava tendo unilateralmente com alguém que eu nem sabia se existia, e, se existisse, nem sabia da minha existência.
O ano virou, e precisei voltar ao continente. Na Barca de volta, enfim, a resposta:
<Oi, desculpa a demora, meu celular quebrou. Ainda está na ilha?>
Não, não estava, mas ia voltar.
*
Quando voltei uns 3 meses depois, já estava trocando mensagens com a Myrian há um tempo. Ela até mencionou achar que era curiosa essa confusão entre livreira e livraria, e contou que, quando o José Bonifácio foi exilado em Paquetá, sua biblioteca foi chamada de livraria, não por ser um comércio, mas por ser uma grande quantidade de livros: uma livra-ria.
A pressa e a ansiedade de conhecer a loja estavam, por assim dizer, controladas. Assim deu pra chegar com calma, e uns dois dias de pouso na ilha, depois de um almoço no azulzinho, fui, enfim, visitar a livraria e a livreira.
A casa continuava na mesma rua, mas tinha mudado pro outro lado. A mesma numeração era compartilhada por três casas diferente, mas a dela, a Myrian informou, era a azul.
Parei na frente do portão de ferro e os cachorros vieram logo me receber. Nem precisei tocar a campainha, ou bater palmas. Alertada pelos latidos, Myrian apareceu na porta da casa e a abriu:
— Enfim…
— Enfim.
Entrei.