Ensaios

A falha em nossos destinos

Vez ou outra, durante as minhas clássicas insônias, eu encontrava um amigo discutindo a vida, o universo e tudo mais no twitter. Por inércia ou simples provocação, eu acabava respondendo. Minhas mensagens, seja pela limitação de caracteres ou de conhecimento, nem sempre conseguiam exprimir o que eu acreditava, se é que eu acreditava em algo; mas essas conversas acabavam quase sempre por se tornar um teste de conceitos. Pra mim e pra ele. Sobre o que? Sobre a vida, o universo e tudo mais. O básico.

Como não podia deixar de ser, nessas conversas delirantes de traça de biblioteca surgiam boas indicações de textos e livros. Uma vez indiquei a esse amigo o A Guide to the Good Life: The Ancient Art of Stoic Joy, e acabei por ser identificado como estóico. Não posso dizer que me incomodei. Considerei verdadeiramente um elogio. Se bem que preferiria ser considerado Zen. Mas, cá entre nós, ainda me falta comer menos feijão e arroz pra isso.

No mês passado, em mais um desses papos, ele me indicou o The Fault in Our Stars como uma obra com um  toque “estóico”. Meio que me surpreendi. Tinha lido algo sobre o autor e a sua fama entre os adolescentes,  e apesar, ou por conta, disso, não tinha sido atraído. Como meu amigo previu em seu convite, tive certo preconceito, confesso; mas conclamado a ler uma boa história sem pretensão, tanto do lado do leitor como do autor, me voluntariei.

Como aconselhado, buscando uma experiência menos fria e analítica de leitura, tentei seguir um certo ritual. O propósito era permitir que a emoção surgisse sem racionalizações. Assim, ao invés de ceder às facilidades do Kindle, procurei o livro em livrarias físicas (esgotado nas três primeiras) e comprei a tradução em português (muito boa, por sinal). Lia, sem pressa, em momentos espremidos da vida (numa fila, antes de dormir, enquanto o garçom não vinha com o almoço, quando esbarrava com o livro que cismava em caminhar pelos cômodos da casa). Tudo rolou o mais organicamente possível. Hoje, em mais um desses momentos, esperando a minha filha acordar, terminei de lê-lo.

Pra ser sincero, tenho sentimentos conflitantes sobre a obra. É uma história de amor belamente contada com personagens bastante realistas. A crítica mais forte que vi, a discussão de que os diálogos dos jovens são pernósticos demais, me faz questionar que tipo de juventude os críticos do livro tiveram. Não há momento mais pernóstico na vida que a juventude. Certo?

Apesar dessas qualidades, como em Uma Aflição Imperial, livro que conduz a trama, A Culpa é das Estrelas termina sem uma conclusão de fato. Isso não se deve à falta de um fim. Ele existe e é redentor. O que falta é um propósito. A personagem principal não tem em momento nenhum da trama um objetivo claro. E exatamente por isso sou obrigado a discordar que seja um livro estóico.

O estoicismo “prega” uma aceitação da natureza, mas não uma conformação. Para os estóicos, para ser feliz nesse mundo que não controla, o homem deve exercer a sua virtude, sua aretê, e se afastar do vício. Não é uma filosofia de abnegação mas de ação. Requisita do “praticante” um sentido, um propósito para vida em que haja a busca da excelência do seu ser, seja ele qual for. Hazel com seu fatalismo romântico passa longe disso. Augustus, além de negar-se à excelência, flerta a todo momento com o vício; e, mesmo que não o exerça, só de mantê-lo ao lado, mostra que não está desapegado. Além disso, em momento algum, nenhum dos jovens transcende ao que a vida lhes deu e eles acabam, por mais que neguem, se caracterizando pelo que a providência lhes concedeu. Negam, assim, as possibilidades do ser. Ao invés de aceitarem a vida, aceitam a morte e o amor como iguais, e aproveitam os poucos momentos superficiais de felicidade que a vida lhes dá. Muita passividade e pouca práxis. Nada de errado nisso, mas, convenhamos, isso me parece mais ceticismo do que estoicismo.

Talvez por isso, mesmo dando o devido valor a toda qualidade do livro, não consegui me identificar com os personagens. Como disse Bukowski sobre Camus, “prefiro alguém que grite quando se queimar”. E, assim, infelizmente, não consegui me emocionar como prometido. No fim das contas, a generosidade do leitor, que o meu amigo tão bem apontou como essencial para ser tocado por uma obra, depende de um contexto que faça a sua conexão com o autor. E, nesse caso, para mim, não rolou. Contradizendo Augustus, não aceitei.

Meu grande agradecimento ao Polzonoff pela amizade e pela indicação. 

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