Toda noite, quando caía no sono, ela se transformava na gata mais linda do mundo. E toda noite ela era uma gata diferente.
Às vezes era toda preta; às vezes era malhada, com as mais diferentes cores e matizes; às vezes branca, como a neve. E algumas vezes, mas nem sempre, ela era laranja como uma gata de desenho animado, ou quase pelada, mais parecendo com um rato. Não importava a sua aparência que ela assumia ao se transformar, quando dormia ela sempre virava a gata mais bonita do mundo.
Era só ela fechar os olhos que a gata abria os dela.
A gata acordava num mundo noturno, de luzes apagadas, numa casa com humanos dormindo, ignorando morar com a gata mais linda do mundo. A gata caminhava languidamente por quartos e corredores; copas e cozinhas; banheiros e varandas. Vez ou outra esbarrava com outros gatos que dividiam com ela a habitação; em outras vezes, estava sozinha. Para ela não fazia diferença. Com ou sem companhia, ela subia em estantes, afiava as garras em sofás, comia e bebia, desfilando a sua beleza na escuridão humana. Mas ela sentia que algo lhe faltava.
Quando cansava, a gata se aninhava nos humanos narcolépticos, miando e piscando os olhos para eles, perguntando por que razão, se era tão bonita, eles não a notavam. Angustiada, dava pequenas mordidas em suas pernas e cafungadas em suas axilas, buscando inútilmente a sua atenção.
Quando o sol nascia, a gata, exausta e frustrada, fechava os olhos para ela acordar. Ela, a mulher mais feia do mundo.
Ela levantava, sem memórias de ter sido a gata mais bonita do mundo. Fazia sua higiene, tomava café sozinha, se arrumava, mesmo não vendo necessidade em tentar melhorar o que não tinha conserto, e saía para trabalhar.
Nas ruas, ninguém olhava para ela. Era tão feia que não provocava asco nem repulsa. Era apenas apagada. No trabalho, as pessoas se comunicavam com ela pontualmente descarregando nas suas costas as coisas que não queriam fazer. Fora esses pequenos contatos, ela ficava sozinha. Almoçava sozinha, ia à copa sozinha, ouvia sozinha os papos das pessoas no cafezinho, e retornava para casa da mesma forma que chegou ao trabalho. Sozinha.
Em casa, matava o tempo entre as obrigações que garantiam a sua subsistência e a hora de dormir olhando para fotos de pessoas bonitas e vendo filmes estrelados por pessoas lindas, ou, pelo menos, mais bonitas que ela. Enrolava e se distraía de sua tragédia, beliscando comida vencida da geladeira, fazendo palavras cruzadas fáceis e evitando pensar em quão horrível ela era, enquanto esperava o sono chegar.
Quando sentia as pálpebras pesadas, sorria feliz. Se recolhia e, cheia de esperança, rezava mais uma vez para ser bonita, para ser mais bonita, para ser a mais bonita. Seus olhos fechavam e seus desejos eram atendidos. Os olhos da gata abriam e ela, enfim, era a mais bonita. Mas, apesar de toda a beleza, quando despertava, a gata também fazia uma oração. Entre miados curtos e sedutores, pedia, não para ser a mais bonita, nem para ser a mais feia, ela só queria ser notada. Bela ou feia, elas continuavam sozinhas; a gata e a mulher mais sozinhas do mundo.