Ensaios

Como vivemos um parto de 30 horas e (agora) amamos isso

(com a participação especial de Gabriela e Alícia Gaertner)

Acho que chegou a hora. Depois de passar meses lendo e ouvindo a relatos de parto de outros, chegou a hora de contar o nosso. E que parto. Teve de tudo. Milhares de emoções, medo, alegria, suspense, surpresas, viradas de roteiro e um climax poderoso, que eu nem te conto.

Claro que conta. O relato é pra contar a experiência toda.

Eu sei. Só tava usando uma figura de linguagem.

Eu não sei. Você tem mania de escrever texto que não termina, começa de trás pra frente. Pelo menos o parto da nossa filha você tem que contar direito. Vim aqui só pra me garantir disso, OK?

OK, amor. Vou contar direitinho, sem firulas. Vou começar até como a maioria dos filmes começam: estabelecendo o cenário. Eu e a Gabi nunca fomos fanáticos por ter filhos apesar de o sermos por crianças. Gabi preferia os bebezinhos enquanto eu já me dava melhor com eles depois que começavam a falar. Também a nossa casa é quase uma loja de brinquedos. Tem jogos, revistas em quadrinhos, livros e brinquedos para todo o lado.

Eu que o diga.

Viu, amor? Agora você está vendo a economia que fiz para a nossa filha.

É, dessa você escapou.

Bom, continuando, apesar de gostarmos muito de crianças nunca fizemos de ter filhos uma prioridade. Demos tempo ao tempo e curtimos muito bem os 9 primeiros anos de casamento. Um dia, de repente, sem muito alarde, conversando sobre o futuro nos perguntamos: “E, aí? O que acha de agora termos um filho?” “Legal, vamos tentar”. Tranquilos, sem stress. A Gabi tomou as vitaminas de preparação, paramos com a pílula e deixamos o barco rolar.

Um dia, descobrimos a gravidez. A alegria foi enorme e os meses passaram com muita tranquilidade e saúde. Enquanto nos preparávamos para a chegada da nossa querida Alícia fomos estudando as opções de parto e nos decidimos pelo parto normal.

Melhor dizendo parto natural, sem analgesia ou intervenções desnecessárias, como: jejum, lavagem, episiotomia, etc.

É, desculpa. sempre me confundo. Então decidimos pelo natural. Conhecemos o Hospital Sofia Feldman, nos apaixonamos pelo proposta da maternidade e o escolhemos como o local para o parto da nossa filha. Para nos ajudar também, aos 36 do segundo tempo, contamos com o apoio de uma Doula, a Kalu Brum.

E aí? Até agora contei direitinho?

Tá indo bem.

Bom, agora tem a primeira virada de roteiro. O dia em que o parto começa. Lembra?

Claro que lembro, né?

Óbvio, foi só mais uma figura de…

…linguagem. Sei, mas vamos adiantar essa história que até eu estou ficando ansiosa.

Que ótimo, esse é o objetivo. Botar o pessoal na ação, sentindo o que sentimos.

Como meu amor bem colocou estávamos ficando bem ansiosos. Gabi já estava chegando na 40o. semana. Minha sogra já tinha chegado e minha mãe, completando o time de apoio de super vovós, chegaria 2 dias depois. No trabalho, o bolão do nascimento da Alícia já tinha perdedores que confiavam que ela seria tão ansiosa como o pai e nasceria prematura.

Prematura, não. Com 37 semanas o neném já é considerado a termo.

É, esqueci. O fato, é que nós mesmos estávamos loucos para conhecer a nossa filha e ver o seu rostinho.

Para, de forma natural, tentar adiantar a sua chegada, Gabi fez na sexta feira algumas terapias alternativas e no sábado fomos à pé ao mercado central. Lá compramos carne e umas linguiças apimentadas para fazer um churrasco. Esperávamos que o exercício e a pimenta mandassem a mensagem “Vem logo, Alícia”. E elas funcionaram.

Por volta das 8 da noite, logo depois de um cochilo regulamentar, Gabi começou a sentir um incômodo que não tinha sentido antes….

uah uah uAHHHHH

Opa, Alicinha acordou….

Deixa que eu vou lá. Continua aí, senão você não acaba nunca. Calma, filhinha, mamãe tá chegando.

Então, às 8 horas, começou o trabalho de parto. Assim que Gabi começou a reclamar dessas dores, quer dizer, desconfortos, fiquei insistindo para ela ligar pra Kalu, nossa doula. Ela meio que tentando ignorar que a hora estava chegando…

EU NÃO ESTAVA IGNORANDO! SÓ NÃO QUERIA CHAMAR A KALU ANTES DA HORA!

Tá, não precisa gritar aí do quarto. Então, a Gabi quis ser menos ansiosa e ver pra onde iam aqueles sintomas antes de tomar uma decisão mais definitiva. Como eu previa, lá pelas 10 da noite, as dores aumentaram, a Gabi ligou pra Kalu e ela confirmou que já deviam ser as contrações.

Mas ela, como eu esperava, disse que precisávamos ver como ia evoluir antes de fazer qualquer coisa. Aqui, segura a Alicinha um instante.

ahn uah aaaa eeê

Oi, minha querida, vem aqui com o papai. Bom, então resolvemos esperar. Assistimos um pouco de TV e por volta de umas 11 horas fomos pra cama. Dormi rápido. Quando deu umas 3 da manhã, acordei com o barulho de chuveiro. Levantei e encontrei a Gabi sentada num banquinho tomando uma chuveirada. Sua cara deixava claro que estava sentindo as contrações. Perguntei pra ela se devíamos ligar pra Kalu, mas ela negou mais uma vez.

Claro. Só queria ligar quando tivesse certeza.

Pra gerar a evidência dessa certeza comecei a contar as contrações. Como ficava difícil fazer direto no celular baixei um aplicativo legal que me ajudou bastante. Era só clicar quando começava e quando terminava a contração. Ele sozinho fazia o cálculo de início-fim, início-início, média, regularidade e o escambau.

Quando comprovei que no chuveiro as contrações eram de 5 em 5 minutos, e quando ela deitava eram de 3 em 3, só então a Gabi concordou em chamar a Kalu.

Por que aí já era hora, né?

UEEEÊ! UeeeeeÊh…

Calma, filha, aqui, ó, mamãe! Me dá ela, Li. Vamos ver se você pega direitinho….

Pegou?

Pegou, tá mamando. Continua.

Tá bom. Já estava amanhecendo e a Kalu já estava à caminho. Era hora de avisar ao pessoal. A mãe, o irmão e o sobrinho da Gabi estavam lá em casa. Fui ao quarto avisá-los. Os homens voltaram a dormir e estranhamente se cobriram até a cabeça. A minha sogra, nervosa, ia e voltava do nosso quarto. Uma hora ela demorou pra voltar e fui ver o que ela estava fazendo. A encontrei arrumando a cozinha. Estranhão ela decidir fazer aquilo naquela hora.

É o comportamento de nesting. De montar o ninho. Lembra que a Kalu disse pra gente que tem mulheres que quando está chegando a hora começam a arrumar tudo em casa?

É, mas quem deveria ter esse comportamento era você, não a sua mãe.

Devia ser a oxitocina no ar…

A Kalu chegou quase sete da manhã. Encontrou a Gabi deitada no quarto, já um pouco cansada da noite em claro. Não tinha dormido nada.  A Kalu fez uma massagem na Gabi, contou as contrações e confirmou o que achávamos: Alicinha estava chegando.

Para confirmar se era a hora de irmos pro Sophia Feldman, Kalu chamou a Myriam, uma enfermeira obstetra para medir a dilatação. A Myriam chegou rápido, examinou a Gabi e constatou que ela já estava com 6 cm e meio de dilatação. Já estava bem para irmos pra Maternidade.

Prontas pra maternidade
Prontas pra maternidade

Peguei a pequena mudança e levamos até o carro da Kalu. Uma mala minha, uma mala da Gabi e da Alicinha, uma mala de equipamentos eletrônicos e um ventilador.

Acabou que nem precisamos de tanto coisa.

ahn… ueeEEÊ!

Ai, filha, calma.

Tudo bem?

Tudo. Ela só mordeu aqui meio de mal jeito.

Bom, nessa hora, Gabi nem estava com tanta dor e fomos tranquilos, rindo, até o Sophia. Chegamos lá e, depois da avaliação, em menos de 1 hora, lá pelas 11 e 45 da manhã, já estávamos no quarto Dona Beja. Enquanto a enfermeira e a Kalu preparavam a banheira, eu fui almoçar e buscar uma comida pra Gabi. No refeitório do Sophia, comi direitinho e trouxe um lanchinho para a Gabi ganhar energia. Uma gelatina e um suco. Com 6 cm de dilatação, esperávamos que em 4, 5 horas, já estivéssemos com Alicinha nos braços.

Gabi se deitou na banheira, botamos uns CDs pra tocar e esperamos a hora. O clima estava bastante tranquilo. As contrações continuavam de 5 em 5 minutos e aumentavam de força lentamente. De hora em hora acompanhávamos o batimento cardíaco da Alícia, que ia muito bem, e às 3 horas, a enfermeira veio medir novamente a dilatação.

Só no relax
Só no relax

Foi aí que começou o drama…

Foi mesmo. Nessas 3 horas, Gabi só tinha ganho meio centímetro.

Desanimei horrores nessa hora.

Eu lembro, mas continuamos no processo. As dores aumentaram mas o intervalo de contração permanecia o mesmo. O ideal é que aumentasse a quantidade de contrações.

Por que a força delas já tava braba.

Nem fala. Eu até chorei, lembra?

Pois, é. O que te deu?

Sei lá. Te ver sofrendo….

…sentindo dor.

E tem diferença?

Tem. Como a Kalu já havia dito: a dor é natural. O sofrimento, não.

OK. Seja como for. Te ver naquela situação, sem poder fazer nada, me deixou destruído. Emocionalmente fiquei arrebentado.

Ai, amor. Não fala assim que fico até emocionada… Vem cá.

Unhéeeeee!

Tá, Alícia. Vou continuar a história, não precisa ficar com ciúmes da mamãe.

A tensão começou a aumentar e nessa hora esquecemos dos CDs, das músicas, de tudo. As dores aumentaram. Eu e a Kalu revesávamos na massagem. Gastamos tanto óleo nas costas da Gabi que eu achava que íamos ralar a pele e deixar a coluna exposta.

Ai, que exagero!

Exagero? Você chegava a se contorcer de dor. Lembra?

Claro, parecia que as minhas costas estavam rachando no meio.

Brabeira. Vou te dizer que nessa hora fiquei até com uma ponta de raiva da Alícia.

UNNNHÉEEEEEE!

Ai, que horror! A menina até chorou.

Desculpa, mas não é pra ser sincero? Na hora que ela nasceu passou instantaneamente, mas realmente, naquela hora, tava culpando ela por toda a dor que você estava passando.

O pior é que a culpa nem era dela. Ela estava encaixadinha. Eu é que não estava dilatando.

Sei. Mas era impossível não ficar preocupado. Quando mediram a tua dilatação de novo e tava estacionado, eu pirei. Pra mim parecia que o dia nunca ia acabar. E o pior é que ainda era o dia da Marmota.

Dia da Marmota?

É. Daquele filme Feitiço do Tempo, em que o cara repete o mesmo dia eternamente. Pra mim parecia que eu estava nesse filme. O tempo passava e tudo continuava igual. Ou, melhor, pior. Você sentido mega dor e nada mudando.

Demos até aquela volta no hospital e 3 horas depois avançou um pouquinho. Mais um centímetro.

É. Quando chegou a 8 foi um alívio.

Mais ou menos, o cansaço tava brabo. Eu deitei na cama e cochilei, enquanto você deitada na banheira dormia entre as contrações.

Kalu acendeu umas velas e apagou as luzes para ver se você relaxava, mas nem adiantou direito. Estávamos mortos. Até a pobre da Kalu que estava com a gente desde as 6 da manhã já estava quase caindo.

O pior nem foi a dor, mas sim o cansaço, porque ele me deixava sem forças pra encarar as contrações.

Imagino… eu ainda consegui dormir, você já estava acordada há mais de 34 horas. Foi aí que as enfermeiras sugeriram descolar a bolsa para adiantar o trabalho de parto.

E adiantou.

Só um pouco. Ainda tivemos que esperar até às 2 da manhã pra chegar a 9. Mas nessa hora pelo menos o dia da marmota já tinha acabado. Foi aí que eu tive um papo com a enfermeira Karine. Do jeito que a coisa ia me parecia que nunca ia acabar. Combinamos que ao invés de vir te medir de 3 em 3 horas, ela viria de 2 em 2 pra tomarmos uma decisão a respeito do que fazer pois você já não estava aguentando.

Graças a Deus quando ela voltou você já estava com 9 e meio.

Eu não conseguia nem ficar de olhos abertos. Quando a enfermeira me falou que era agora ou agora, eu não sabia o que fazer. Nem me importava com a dor. Eu não tinha mais forças. Não acreditava que ia conseguir. Aí a Kalu e a Karine me chamaram e me apoiaram. Sem isso acho que não ia conseguir.

Foi o máximo. Nos te ajudamos a sair da banheira e te botamos sentada no banquinho embaixo do chuveiro. A enfermeira me mandou botar uma sunga pra ficar embaixo do chuveiro contigo.

Sério? Não lembro disso.

Não admira. Você estava tão cansada que não ia se ligar mesmo nesse detalhe. Botei a sunga e fiquei te segurando de um lado enquanto a Kalu te segurava do outro.

Só lembro de que quando a contração vinha eu fazia a maior força que já fiz em toda a minha vida, a força que precisava pra fazer nossa filha nascer, pra vir ao mundo. E finalmente nos conhecer. Como você me disse depois, isso demorou uns 25 minutos. Rápido, até. Quando comecei a sentir a cabecinha coroando, senti o tal círculo de fogo, queimando pra ca…

Unhéeeeee!

Olha a boca. Alícia tá esperta aí.

Tá bom, ê, menina ligada. Continuando quando estava coroando e tava queimando daquele jeito que você sabe, acho que eu gritei: tira essa menina de mim!!! Aí foi só fazer mais uma grande força e ela nasceu. Você a amparou e a colocou em meus braços. Só de lembrar as lágrimas voltam as olhos. Foi lindo, do jeito que idealizei, o melhor pra nossa filha, pra mim, pra nós.

Habemus Alícia
Habemus Alícia

Então, foi só isso?

Como assim, só isso? Foram 32 horas de trabalho de parto

Sei, mas o relato? Acabou?

Acho que sim. Olha, a Alicinha dormiu.

Que princesa, nem dá pra imaginar todo o sofrimento…

Sofrimento, não.

Tá, toda a atribulação que essa lindinha nos fez passar.

É, mesmo. Logo depois que ela nasceu, nem me lembrava mais da dor.

Pensando bem, foi até bom que tenha sido assim, sabe, difícil.

Sério? Por quê?

Quando ela for adolescente, você vai poder dizer: “Foi pra isso que passei por mais de 30 horas de trabalho de parto?”

ahn… ueeEEÊ!

Calma, Alicinha, não dá ouvidos pra esse seu pai maluco… Eu nunca vou fazer isso.

É, leva a mal, não, filha. Foi só uma sugestão. Mas, cá entre nós, até que a idéia não é tão má assim.

Não vou fazer mesmo, meu amor
Relaxa, é só brincadeira. Não vou pegar no seu pé, meu amor

12 thoughts on “Como vivemos um parto de 30 horas e (agora) amamos isso”

  1. Que lindo! Quanta história pra contar. Agora estou esperando o relato das primeiras semanas, da privação do sono e da alegria imensa de ter Alícia por perto!

  2. Que lindo! Que bom que vocês conseguiram! Quero ver mais fotos da Alícia. Manda por email qualquer dia desses, porque quem sabe quanto tempo vai passar até que eu possa conhecê-la pessoalmente. Beijos para os 3!

  3. Um dia a Alícia vai ler isso e ver como ela mudou as vidas de vocês. Foram 30 horas de trabalhos que valerão a recompensa de uma vida inteira que ela vai lhes dar. Parabéns Lisando, parabéns Gabriela. Sintam-se abraçados.

    ps: É a cara do Lisandro.

  4. Alicia não é Unibanco mas é “30 horas”, não é Itau mas é “feito para você”. Desculpa, não resisti ao trocadilho, Gabi. Digo e repito, esse relato de parto natural tá sendo uma inspiração pra mim. Já me sinto mais segura à espera do meu Dani boy.

  5. Parabéns, Gabi, Lisandro e Alícia. Lindo relato. Desejo a vocês três todo o amor, felicidades e realizações que houver nessa vida. Beijo enorme.

  6. Muito interessante o relato que foi feito. Conforme já lhes falei , este parto natural acompanhado pela Doula também é muito interessante.
    Achei também engraçado que no início da descrição a Gabriela “dá o contra nos comentários do Lisandro”. Mas é só no começo , depois fica tudo no bom entendimento.
    Bacana mesmo , foi feito um relato de muito boa qualidade.
    Muitas felicidades para vocês 3: Alícia, Gabriela e Lisandro……

  7. Fico só imaginando vc pai, amigo! E desde a barriga um excelente pai.
    Parabéns aos papais por vivenciar uma experiência tão linda!
    Bem vinda, Alicinha 🙂

  8. Lindo relato! Só fui ler agora!
    Vocês são pais muito corajosos! Admiro muito a decisão do parto natural. Fiquei muito feliz ao saber que estavam todos bem e saudáveis. Sejam uma família muito feliz!

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