Ensaios

Férias de Menino

Quando eu era pequeno, um dos maiores problemas que meus pais tinham era o que fazer comigo durante as férias. Os dois trabalhavam e não tinham com quem me deixar. Pra dificultar , eu ainda passava direto na maioria, senão em todas as matérias o que adicionava mais 15 ou 20 dias a esse período.

Minha mãe, quando ainda estava tendo as aulas dela, me levava pra faculdade. Me botava no fundo da sala e eu ficava alí tomando umas aulas de filosofia. Pra que eu não ficasse boiando, rolava um dever de casa e eu precisava ler os textos que iam ser tratados nas aulas. Pra quem gostava de pedir dever de casa extra, era uma delícia. Era como se eu pudesse ir ao colégio sem sofrer bullying.

Quando meu pai assumia a função, pra não ter muito trabalho, ele me levava pra Biblioteca Nacional. Combinava com alguém da biblioteca pra ficar me vigiando e ia resolver os seus negócios. Solto na Biblioteca Nacional, ia fazia escalas estranhas. Lembro de um mês em que passei por quase todos os Para Gostar de Ler e avancei por Drummond e Carlos Eduardo Novaes, que virou um saudoso vício. Num outro mês varri a coleção Vagalume e me apaixonei por Marcos Rey. Quando esgostei os seus títulos infanto juvenis comecei a ler Memórias de um Gigolô. Um sentimento, não justificado, mas real, de proibido deu um gosto adicional à leitura.

Quando eu já estava crescido o suficiente para ficar sozinho, lá pelos meus 11 anos, o dano já estava feito. Meus pais continuavam trabalhando e eu simplesmente segui o padrão ao qual fui acostumado. À Biblioteca Nacional adicionei a Machado de Assis em Botafogo onde li O Senhor dos Anéis e Stephen King; a livraria Entrelivros no Largo do Machado, onde num verão deixei uma pequena fortuna para as minhas posses da época em troca de tudo que eu achei de Woody Allen; os sebos da Praça Tiradentes, em busca de quadrinhos; os cinemas São Luiz e Largo do Machado; e as locadoras de todo o Flamengo.

Agora, quando me pego trabalhando no verão sinto uma bruta nostalgia. Sinto falta de me dedicar exclusivamente a devorar livros de um só autor o mais rápido que eu puder. Como no verão em que passei Asimov e Arthur C. Clarke a limpo. Sinto falta de pular de cinema em cinema vendo qualquer coisa que estivesse passando. Seja De Volta para o Futuro, Maniac Cop ou Drugstore Cowboy. Sinto falta de aprender coisas novas, além dos currículos padronizados, e de me maravilhar com descobertas que o dia a dia de hoje não consegue mais me trazer.

Pode ser estranho dizer isso, mas, pensando bem, acho que aprendia mais nas férias do que na sala de aula. Estou sozinho nisso ou será que podemos sonhar com um mundo onde o trabalho vire férias e as férias virem trabalho? Esqueçam que eu disse isso e deixem essa idéia pra lá. Não estou a fim de acabar como Antônio Conselheiro.

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