Ensaios

Mais inteligente que você

Fábio chegou afobado para a entrevista de emprego. Depois de passar pelo escrutínio 11 de setembro style dos entediados guardas de segurança do prédio comercial, correu para o hall dos elevadores. Para a sua surpresa não existiam botões convencionais. Pequenos teclados numéricos substituiam os clássicos subir e descer. Malditos elevadores inteligentes, pensou.

Digitou o andar e o visor em cima do teclado indicou o elevador para o qual deveria ir. Parou sozinho em frente ao elevador enquanto na frente de um outro uma grande fila se formava. Enquanto esperava, observou curioso a dinâmica. O pessoal chegava, digitava os números e se encaminhava para a enorme fila. Além do seu elevador, onde esperava sozinho, todos os outros estavam vazios. Riu sozinho.

Seu elevador chegou enquanto a fila do outro continuava crescendo. Entrou no elevador distraído e quase bateu de frente com um senhor de terno.

– Opa, desculpe!
– Sem problemas.

Se encostou no fundo do elevador e baixou a cabeça rindo baixinho. O senhor olhou para ele e sorriu. Ele retribiui com um sorriso amarelo e, sem saber o que dizer, resolveu comentar sobre o elevador:

– Parece que esses elevadores não são tão inteligentes quanto achávamos.
– Como assim?- o senhor perguntou curioso.
– Estamos aqui subindo sozinhos enquanto tem uma fila gigante lá num outro.

O senhor coçou e queixo e deu sua opinião:

– Talvez ele seja mais inteligente do que imaginamos.
– Como?- Fábio se mostrou intrigado.
– Veja por esse lado, meu rapaz. Achamos que o elevador é burro por que ele não faz as coisas como esperamos, certo?
– Certo.
– Isso presume que para ser considerado inteligente ele deve querer atender às nossas expectativas. E se não for bem assim? Talvez ele seja inteligente mas não queira fazer o que mandamos. E se ele tiver uma agenda pessoal?
– Agenda pessoal? O que você quer dizer com isso?
– Vou dar um exemplo. Várias vezes quando estou numa ponta do hall dos elevadores e chamo o elevador, ele me manda pro outro lado. Quando corro pro outro lado, o elevador fecha a porta na minha cara. Digito novamente o andar e ele me manda pro lado de onde vim. Chego lá e, pimba, de novo porta na cara. Parece até que ele está brincando comigo.
– Sei não. Meio maluco isso. Por que ele iria, por exemplo, deixar o pessoal num elevador só?
– Várias razões. Se vingar dos seres humanos, como no caso que te contei, ou, quem sabe, forçar um defeito para receber manutenção. Pode ser uma questão de sobrevivência.

O elevador parou. As portas abriram e o senhor saiu:

– Já viu o Exterminador do Futuro, rapaz?
– Vi.
– Pois, é, A Skynet tem que começar em algum lugar. Por que não num sistema inteligente de elevadores?

A porta se fechou e o elevador continuou o seu caminho. Em poucos segundos parou novamente. Agora no andar de Fábio. Ele saiu do elevador chocado por aqueles comentários, sem saber exatamente o que fazer. Logo assim que as portas se fecharam, ele ouviu do lado onde estava a fila imensa um barulho enorme como se um cabo tivesse se partido violentamente. E gritos. Muitos gritos.

– Socorro!- diziam vozes abafadas pela porta do elevador.- Chamem alguém da manutenção! O elevador parou! Socooooooro!

Fábio se aproximou para ouvir melhor. Os gritos continuavam, agora acompanhados do insistente sinal de emergência. Será que o senhor do elevador estava certo? Será que o elevador era inteligente e tinha uma agenda pessoal?

– Posso ajudá-lo?

Fábio se virou assustado e encarou a recepcionista do andar que sorria pra ele. Ela repetiu:

– Posso ajudá-lo? Precisa de alguma informação?

Aturdido, ele ficou calado por um momento, mas, preocupado com a própria sobrevivência  e esquecendo-se da entrevista para a qual já estava atrasado, finalmente perguntou:

– Você sabe como faço para chegar nas escadas?

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