Ensaios

A arte de afrontar

Existem diversas maneiras de afrontar o outro, mas nenhuma funciona melhor que mostrar claramente que o está ignorando. Se você tem um estilo mais esquentadinho e gosta de desafiar ou diretamentar confrontar quem lhe incomoda, lamento dizer, você está fazendo isso errado. Toda vez que você confronta o outro e se mostra incomodado com ele ou suas ações, você já perdeu o jogo. Você mostrou que o outro tem o poder na relação. E afrontar não é confrontar.

– Viu o fulano? Ficou todo nervosinho só por que eu lhe disse etc e tal. Onde já se viu? Tem que ser mais maduro, rapaz.

Não fique triste, eu também já pequei assim inúmeras vezes. Fui chamado de resistente, difícil e mais um bando de coisas que me rebaixavam frente ao meu interlocutor. Mas eu aprendi. Ou pelo menos em parte. Vez ou outra, no piloto automático eu vou e pá! Solto uma ironia ou um sarcasmo de bate pronto e lá vem o povo dizer que eu não tenho respeito ou sou debochado. Nessa hora, não importa se tenho razão ou não, eu estou errado.

Ah, bem lembrado. Ironia, sarcasmo e todas essas maneiras engraçadinhas que a gente usa para se dirigir a quem odiamos também estão proibidas. As pessoas que nos incomodam, pelo menos com base na minha experiência, em 99% dos casos acham que falam ou fingem falar sério. E, pior, não entendem figuras de linguagem. Metáfora? Nem pensar. Tudo pra eles é deboche.

Assim, para realmente afrontá-los, não responda, não rebata, não faça comentários inteligentes, não confronte, nem enfrente, simplesmente os ignore.

Mas como fazer isso com estilo? Tem vários jeitos, mas sempre é preciso ser educado. Use com licença, por favor, e muito obrigado como vírgulas.  Outra coisa importante é nunca ser claro na sua agressividade. Deixe que eles presumam que estão sendo afrontados, mas não tenham como realmente evidenciar isso. E o terceiro e mais importante ponto: nunca perca a compostura ou dê pra trás. Como aprendemos com o sábio Jean Claude Van Damme: Retroceder nunca! Render-se jamais!

O processo de ignorar o outro pode ser dividido em duas técnicas principais: as ativas e as reativas.

As ativas são quando você executa a atividade de ignorar antes de ser aporrinhado pela pessoa. Para isso headphones, livros ou demais coisas que requisitam ou tomam a sua total atenção são ideais.

– Desculpe, o que você disse mesmo? Estava aqui concentrado nesse relatório…

Uma outra maneira excelente, mas que requer um parceiro, real ou imaginário, é o assunto interminável:

– Só um momentinho, que estou terminando aqui com o João…

Seja no telefone, presencialmente ou via mensagem de texto esse momentinho pode virar horas. Para quem lhe espera só restam duas opções: esperar ou ir embora. Existe uma terceira quando o outro é diretamente agressivo com você mas isso lhe concede a razão rapidamente e não acontece com frequência. Só aporrinhadores mais amadores incorrem nesse erro.

As formas reativas são mais divertidas e requerem um grande habilidade de improvisão, mas normalmente envolvem interrupções ou desinteresse explícito.

Quando quiser interrromper alguém, deixe que a pessoa comece a falar e introduza algo urgente:

– Muito interessante isso que você está falando, mas só um momentinho que eu preciso ir no banheiro.

Quem fuma tem facilidades:

– Eu estava indo alí fumar um cigarrinho, você pode esperar só um instante?

Ninguém vai negar o desejo a um viciado. E depois que fizer o que disse que ia fazer, se possível, não volte. Poucos irão notar a sua falta. Sabe como é? Diminuição de atenção, fobia social e todas essas coisas que dizem que a Internet criou no povo.

O desinteresse explícito é mais divertido mas requer finesse. Mascar chiclete, por exemplo, uma forma clássica de demonstrar que não está nem aí, hoje já perdeu sua efetividade. O olhar distante e vazio funciona melhor.

– Ei, rapaz, você está me ouvindo? Tá olhando aí pro nada?
– Não, estou aqui pensando no que você falou. Muito interessante. Será que você pode me dar um tempinho pra digerir todas essas informações.

E nunca mais dê retorno. Anotar compulsivamente, balançar a cabeça repetidamente ou pontuar o discurso do outro com os famosos “entendi” ou “ahn, ahn” também funcionam muito bem.

O mais importante é saber que o objetivo de afrontar o outro é que ele lhe deixe em paz e não provocar uma interminável guerra social. Essa agressão contínua é para as pessoas que aporrinham os outros e não para gente como a gente que não gosta de gente. Como estava dizendo… Opa, dá pra você esperar só um momentinho, que eu preciso ir alí resolver um negócio com o João, fumar um cigarro, coisa e tal, e já volto, OK? Você não se importa, não é mesmo? Ou você acha que estou lhe afrontando?

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