Ensaios

O Biscoito dá Sorte

No dia do ano novo chinês, o jovem e recente casal encerra a sua refeição naquele restaurante mezzo japonês, mezzo chinês, mezzo italiano da Avenida Atlântica. Satisfeitos e esperançosos com o novo ano, esperam também a conta. A namorada entediada suspira e descansa o olhar na linha do horizonte; o namorado parece esperar algo mais e quebra o silêncio:

– Será que vem biscoito da sorte?
– Deve vir. Porquê?
– Sei lá. Adoro biscoitos da sorte.
– Sério? Acho meio sem graça. Meio borrachudo. Nem doce, nem salgado.
– Não, tô falando do papelzinho que vem dentro. Sempre me sinto mega bem depois de ler a mensagem da sorte.
– Sério? Aquele bando de frases aleatórias? Lembro até que tinha um episódio do Barrados no Baile em que terminavam todas as frases dos biscoitos com “na cama” e elas continuavam fazendo sentido.
– Não, que absurdo. As mensagens não são de brincadeira. São traduções de antigas frases chinesas e eu acredito na sincronicidade. Se você abriu a mensagem, é pra você. Olha, lá vem o garçom com os biscoitos.
– E a conta. Dessa vez quem paga?
– Infelizmente, você, querida. Você sabe que eu…
– Tô sabendo.
– Mas tenho certeza que a sorte vai vir boa e vou dar uma virada nessa maré de falta de dinheiro.
– Vamos torcer.
– Então, qual biscoito eu escolho?
– Qualquer um, né? É sorte.
– Não, não. Tem uma questão aleatória, sim, mas é a nossa vontade que nos leva à nossa sorte.
– Boiei.
– Olha, nada é fruto da aleatoriedade sem a vontade.
– Continuei sem entender. De onde você tirou isso? De um biscoito da sorte?
– Ah, deixa de ser chata. O que eu quero dizer é que a gente escolhe a própria sorte.
– Sério? Se a gente escolhe, o papel deveria vir em branco pra gente escrever o que quisesse.
– Ai, você é muito chata. Pronto, vou ficar com esse.
– OK. Eu pego o outro. Deixa eu te fazer uma pergunta.
– O que é?
– E se eu roubasse o seu biscoito e lesse a sua sorte?
– Que é que tem?
– A sorte continuaria sua? Ou viraria minha?
– Ahn…não sei…
– Lembra do lance da vontade. Eu escolhi a minha sorte mas ela estava na sua mão. Aí a minha vontade de pegar a sua sorte é mais forte que a…
– Amor, por favor, deixa de complicar e abre a sua sorte.
– Tá. Tá.
– E aí? O que tirou?
– Tem uns números tipo de mega sena e uma mensagem dizendo: “Sua felicidade será do tamanho das suas companhias”.
– Hum…
– O que quer dizer? É tipo “Diga me com quem andas que te direi quem és”?
– Deve ser. Mas a interpretação também faz parte da sorte.
– Azar o meu.
– Para com isso.
– OK. E o seu?
– Deixa eu abrir. Que nervoso.
– Deixa de frescura e abre logo.
– Pera aí…
– O que houve?
– A sorte tá em branco. Só vieram os números.
– Como assim?
– Pô, você é burra? Só vieram os números. O resto do papel: ele tá em branco. EM BRANCO!
– Calma, Bete. Vai ver isso quer dizer algo. A interpretação, lembra, faz parte da sorte. Ou, melhor, faz a sua sorte e escreve o que quiser no papel. Olha que bom!
– Ah, não enche o saco! Garçom, Garçom!

A sorte estava certa.

Os números da mensagem da sorte em branco deram no concurso seguinte da mega sena e podiam ter resolvido os problemas de dinheiro do namorado. Mas, como ninguém jogou, ninguém ganhou.

Ela, que nem lembrava da sorte que tirou, logo depois abandonou o namorado supersticioso já que, além de não ser uma boa companhia, ele era muito baixo pra ela.

O dono do restaurante, depois do escândalo causado pela sorte em branco, teve uma ideia e começou a encomendar biscoitos com papéis em branco. Os clientes ganhavam uma caneta pra escrever a própria sorte e ainda a podiam levar como brinde. Por sorte, todos os clientes gostaram. Ou, como dizia o dono do restaurante, não existe sorte, a sorte é você quem você faz. Ou algo parecido que ele leu em algum biscoito da sorte.

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