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Emily in the City

Há umas semanas, vi algumas pessoas comparando no twitter Sex and the City e Emily in Paris. Segundo um artigo na folha que o pessoal compartilhou ambas as séries seriam obras machistas, ou pelo menos não feministas, por terem um foco muito grande no relacionamento amorosos de suas protagonistas, e, portanto, as millenials mereceriam uma representante melhor. Fiquei intrigado com essa análise, assisti a série de uma vez só e tenho alguns questionamentos quanto a essas declarações.

O primeiro é sobre a comparação com Sexy and the City. Quando fala da série, o pessoal foca muito no draminha e no romance Carrie e Big que só começou a se tornar algo de fato a partir da 3a. temporada e esquece das duas primeiras temporadas que eram beeem diferentes. O conceito inicial se aproximava muito mais de um mockumentário antropológico sobre o dating game em Manhattan, no que se presumia na época ser um período pós feminista, que hoje não faz o menor sentido. Emily in Paris não pode entrar nessa comparação pois seu contexto histórico é bem diferente daquele do final dos anos 90 e o formato da série, bem mais tradicional, não se pretende a esse tipo de discussão, apesar de levantar muito en passant algumas questões identitárias.

O segundo é sobre a necessidade de toda obra de arte ter um papel de representação de um grupo. É fato que toda obra ficcional requer que haja algum nível de empatia com os seus protagonistas para que nos importemos com o seu destino e isso gere a tensão necessária para mobilizar a nossa emoção.

Quando falamos de representação, o esforço de identificação com as protagonistas é um trabalho muito maior da parte do espectador do que quando os autores buscam criar personagens nos quais o público consiga se enxergar ou se projetar. O sucesso da geração dessa empatia depende de habilidade e equilíbrio na escrita, o que, infelizmente, Emily não tem. A personagem, como as demais da série, é bem bidimensional, seus conflito seguem um padrão corporativo procedural, e inclusive me questiono se seus conflitos principais são amorosos ou de trabalho. Os episódios apresentam pequenos toques de romance, mas a questão sentimental não é o que mais angustia Emily e sim perder o emprego ou performar mal.

Será que Emily não está de fato representando as Millenials que precisam aprender a se libertar do jugo corporativo e do trabalho com propósito, seguindo dicas de europeus estereotipados? Será que o sucesso da série não está calcado em boa parte com a identificação do público com esse conflito laboral?

Não acredito que obra alguma deva ter função. Arte é do domínio do não utilitário. Emily em Paris é uma série simplória, mas bem divertida que te permite vivenciar conflitos corporativos cômicos e de baixo impacto num belo cenário com toques de história de amor. Abusa dos clichês, é repetitivo, mas como novela funciona. Pedir algo além dessa série ou de qualquer outra é absurdo.

Assim como Carrie Bradshaw não deveria ser encarada como modelo de comportamento, Emily não deveria arcar com esse fardo. A ansiedade por encontrar ideais vem não dos criadores mas do público. Ao invés de demandarmos isso da ficção, deveríamos nos perguntar qual o nosso problema para sentir tanto essa falta.

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