Ensaios

O elogio da Rotina

Hirayama acorda antes de o sol nascer. Arruma o tatame sobre o qual dorme, escova os dentes, asperge água nas mudas de suas plantas, e se arruma para o trabalho. Ao colocar os pés pra fora de casa, olha o céu. Todo dia é diferente, todo dia é igual. Compra um café numa máquina de vendas, entra no carro e escolhe uma fita cassete para ouvir no caminho para o trabalho.

Qual é o seu trabalho? Ele é faxineiro de banheiros em Tóquio. Com esmero, se dedica a limpar os cantos mais recônditos dos mais diferentes tipos de sanitários espalhados pela cidade. As pessoas passam por ele e parecem não vê-lo. Ele é, pelo menos socialmente, invisível. Porém, por não ser visto, consegue ver o que muitos não conseguem: o homem árvore, a muda crescendo no jardim do templo, a moça que almoça solitária, a criança perdida, uma mensagem, na forma de um jogo da velha, abandonada numa fresta de um banheiro.

O trabalho termina. Ele se higieniza e relaxa num banho público; janta, assistindo a pessoas levarem suas vidas; e retorna para casa para ler e dormir. Sonha. Com o que viveu. Com o que pode viver. Acorda.

Seus dias, perfeitos, são invadidos por pequenas irritações e surpresas com as quais precisa lidar: o colega de trabalho irresponsável e imaturo; a quase namorada do colega com um gosto musical impecável; a sobrinha que fugiu de casa; o restaurante, onde janta na sua folga, fechado. O que quebra a sua rotina faz parte da rotina. Caso contrário, a rotina, como ele, também seria invisível.

Num mundo, e num cinema, de superlativos vazios, o mundano, o microscópico, também pode ser um espetáculo. Afinal, tudo é uma questão de respeitar o tempo como ele é.

Da próxima vez é da próxima vez. Agora é agora.

Em filmes como Dias Perfeitos, descrito acima, Patterson, e Cortina de Fumaça, a estrela é o fundo, e não a figura. Ao invés de explodir o tempo inteiro na sua cara, as figuras se destacam justamente pois o fundos, as rotinas, são construídos com delicadeza e detalhismo.

E em todos esses filmes, o fazer da arte pontua o que parece repetitivo. Hirayama tira fotos da sua amiga árvore na hora do almoço, Paterson escreve poemas entre as viagens do ônibus que conduz pela sua cidade homônima, Auggie Wren tira fotos da esquina da sua tabacaria todo dia, no mesmo horário matutino. E, como Auggie ensina a seu amigo Paul Benjamin, é preciso olhar com calma para ver a variedade de vida que se esconde nessa aparente monotonia.

“Todas são iguais, mas cada uma é diferente da outra”

É nesse exercício quase esquecido do olhar com calma que o magnífico e o surpreendente saltam aos olhos no aparentemente banal. Enquanto isso, envolto em suas maquinações egoicas, o mundo, dominado pela sua sensação de auto importância, não consegue ver o que realmente importa: a calma.

Sim, tenha calma. Independentemente do que tenta nos desequilibrar, é no rir e chorar do dia a dia que a vida se vive, e, assim, em paz, nos sentimos bem

Dragonfly out in the sun you know what I mean, don’t you know?
Butterflies all havin’ fun, you know what I mean
Sleep in peace when day is done, that’s what I mean
And this old world, is a new world
And a bold world for me, yeah-yeah

Stars when you shine, you know how I feel
Scent of the pine, you know how I feel
Oh, freedom is mine
And I know how I feel

It’s a new dawn
It’s a new day
It’s a new life for me

I’m feeling good

Nina SimoneFelling Good

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