Ensaios

O Guia de Retorno à Normalidade para Antissociais

Eu sei que ainda falta um pouco(?) mas é importante estar preparado.

A pandemia, especialmente no Brasil, foi algo terrível, mas, dentro de toda essa tragédia, algumas coisas acabaram sendo corrigidas. Descobrimos e descartamos de nossas relações aqueles que não tem compaixão ou humanidade, a.k.a., eleitores da besta-fera; revimos os nossos hábitos, ou, pelo menos, pudemos encarar com mais clareza aqueles que nos prejudicam e tentar recuperar os que nos fazem bem; e nos permitimos viver um processo de recolhimento e autorreflexão com aqueles que nos são mais caros.

Para nós, os antissociais, foi, sim, uma oportunidade única: diminuir nosso círculo social, nos aprofundar em nossas obsessões solitárias, e conviver com as pessoas com quem realmente nos sentimos à vontade, nós mesmos. Quando em condições normais isso seria possível sem sermos vítimas da censura dessa sociedade excessivamente gregária?

Porém, agora que a vacina vai, graças a Deus, diminuindo o risco de contágio e de morte, os instintos primais de aglomeração do ser humano começam(?) a renascer ou, pior, se intensificar nos colocando no imenso risco de, não só voltarmos à normalidade do convívio social, mas de sermos obrigados a experienciar uma versão exacerbada desse hábito deplorável.

Então, a pergunta é: depois de nos livrarmos da pandemia, como podemos manter o lado bom do isolamento social?

Seguem cinco dicas que poderão nos auxiliar nessa transição.

1. Não aceite desculpas e não perdoe

Quando a poeira baixar e finalmente estivermos perto de nos livrarmos do projeto de genocida do Vivendas da Barra, aqueles que apoiam esses proto machos desde Fernando Collor voltarão com o rabo entre as pernas pedindo perdão pelo que fizeram. Dirão que estavam vivendo em bolhas que distribuíam informações erradas ou sofrendo de stress pós traumático por conta da crise sanitária e econômica. Não acreditem, não é de coração.

E mesmo se for, quem liga? Você não precisa devotar seu tempo a quem o aborrece, ou mesmo o aborreceu apenas uma vez.

Como proceder? Ignore seus contatos ou, ao menos, seja lacônico em suas respostas, contando os emojis e caracteres de suas mensagens.

Importante: evite os contatos presenciais a todo custo, mas, se eles forem inevitáveis, finja ouvi-los falar, responda às suas perguntas com outras perguntas, e corte o papo no meio alegando um compromisso qualquer com pessoas que eles não conhecem para fazer algo que eles não entendem, tipo curso de reiki online ou grupo de leitura virtual das obras de Georges Perec . Isso vai fazer cair a ficha deles.

Se mesmo assim não funcionar, é melhor ser direto. Seguem algumas sugestões de resposta.

2. Faça um compromisso consigo mesmo

E no caso daqueles que não nos incomodam demais, os que chamamos de amigos? Mesmo que a sua presença seja desejada esporadicamente, é sempre importante controlar essa nossa interação.

Para eles, mantenha sua agenda sempre cheia. Cheia de tempo pra você. Sábado de manhã sua agenda está bloqueada para reorganizar a coleção de VHS que achou no armário da despensa. Domingo de tarde? Nem pensar! Você se comprometeu a reler as edições do Novo Universo da Marvel. E nas noites durante a semana, me perdoe, você precisa descansar. A vida não é só diversão.

Lembre-se: se você não controla o seu tempo, alguém vai controlá-lo para você.

3. Prestigie as suas atividades solitárias

Na pandemia você deve ter sentido o gosto de fazer aquelas coisas que ninguém te permitia pois diziam ser chato ou exclusivas demais, tipo pintura em aquarela sobre fotos de jornal ou compilar regras opcionais de livros de RPG dos anos 80. Quando as coisas estiverem normalizando, tenha certeza, esses seus prazeres serão novamente questionados.

Para evitar essa pressão social, transforme as suas atividades em algo maior. Esse povo com dependência social morre de medo de status e trabalho. Então, não diga que vai ficar pintando aquarelas sobre a cara da Anitta na revista Ela de O Globo, diga que está produzindo uma obra de arte utilizando técnicas mistas. E se te questionarem sobre o caderno cheio de pequenas regras malucas de jogos de rpg obscuros, retruque: é pesquisa para um livro sobre game design com foco na experiência dos jogadores.

Seus hobbies são importantes, dê a eles o devido respeito. Afinal, quem esse povo que vai a Micareta e assiste jogo de futebol na TV acha que é pra julgar os seus divertimentos?

4. Aumente a sua presença virtual (nos lugares certos)

Se você caiu nessa falácia de redes sociais, sim, todos caímos em algum momento, e ainda não conseguiu se livrar, não se desespere. Sim, você, no momento, está desprotegido e é um alvo fácil para investida de qualquer um que tenha o seu número de celular ou saiba seu nome completo, mas dá pra resolver.

A primeira providência é mudar a sua “operação” para ferramentas de comunicação menos conhecidas. Porquê? Explique: privacidade, venda de dados, exploração de sua força de trabalho voluntária para venda de propaganda. Tá bom pra você? Assim, você pode alegar que só usa Whatsapp pro trabalho e que as pessoas vão poder encontrar você com facilidade no Signal, Skype ou Google Hangouts.

Para as redes sociais, o ideal seria abandonar tudo, mas isso provoca uma aporrinhação contínua. Por que você não está no instagram? Já leu isso no twitter? Por que você não entra n@ [insira o nome da rede social]? El@ é tão legal.

Minha recomendação é fazer como eu: criar sua plataforma pessoal onde não vai interagir com ninguém, mas dará a impressão de abertura que acalmará essa gente arroz de festa. Afinal, a melhor maneira de não saberem de você é escrever artigos num site, disponibilizar anotações num microblog exclusivo ou povoar uma versão particular do instagram. Se não vier na colher, o povo não consome.

5. Alegue estar sofrendo de síndrome da caverna

Tem vezes que não dá. Você tentou de tudo e eles continuam pressionando. Aí você tem que apelar pra uma síndrome. E não dá pra ser as de verdade que você tem e ninguém respeita. É preciso usar alguma coisa que esteja na moda, tipo a síndrome da caverna. Sim, depois de tanto tempo isolado, claro que você precisa se reacostumar ao convívio social. Então, se eles puderem respeitar o seu tempo e esperar só um pouquinho, já, já você volta… ou não.


Espero que essas dicas venham a ajudá-los a manter o isolamento social, sem pressões ou questionamentos, após a pandemia. Enquanto isso, e até depois, fiquem em casa, sozinhos, seguros, saudáveis e felizes. E não precisam me mandar mensagens de agradecimento. A sua distância e silêncio já são suficientes. Obrigado.

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