Não foi nessa. Foi na outra crise. Na da água.
No desespero das torneiras que despejavam lama, fui ao supermercado comprar água. Cheguei no setor de bebidas e as prateleiras estavam vazias. Passou um funcionário do supermercado e eu perguntei sem esperança:
– Tem mais água, não?
Uma mulher, sem sinais ou idade característica, passou por nós, nessa hora, com um carrinho lotado de garrafas d’água. Quando falo lotado, não é figura de linguagem, é a verdadeira descrição do que estávamos vendo. Garrafas fazendo um monte, quase caindo pelas beiradas da estrutura de metal do carrinho. Pilhas. Provavelmente mais de 100 garrafas d’água.
– Eu peguei as últimas- ela riu e se encaminhou célere pro caixa.
Eu e o funcionário do supermercado ficamos em choque olhando ela e tentando entender o que se passou.
Senti óbvio, raiva, mas lembrei do mestre Hamilton da Sociedade Brasileira de Taoísmo, e deixei o sentimento passar, como um observador, sem ser movido por ele. Afinal, que bem iria me fazer, ou a ela, confrontar tal egoísmo?
Taí uma coisa que eu nunca entendi: egoísmo. Como bom introvertido, de baixa libido narcísica, nunca consegui me ver melhor que os outros. No máximo, tão ruim quanto.
Uma pessoa que limpa a prateleira de um supermercado, movida por uma necessidade irracional de prover qualquer coisa para si mesma, ou para a sua linhagem, tem plena convicção que a sua sobrevivência é mais importante do que a de qualquer outro ser do planeta.
Minha vontade, ao ver esses atos de egoísmo, que já estão acontecendo agora por conta da pandemia do Covid-19, é perguntar:
– Vem cá, por que diabos você é mais importante que os outros?
Eu sei, é maldade. Ninguém consegue articular esse sentimento. Mas sentem. Sentem e vivem um egoísmo tão grande que quase me faz concordar com a Ayn Rand e seu objetivismo egoísta e pretensamente racional.
Mas aí eu lembro que se as pessoas tendem a ser assim não significa que elas precisem ser assim. O egoísmo não passa de falta de imaginação, de empatia e de uma boa dose de preguiça moral.