Ficção

O taxista de Schrödinger

Outro dia, o cara chegou no botequim com uma questão interessante. Disse, ele, que ao pedir o pix do taxista pra pagar a corrida, apareceu um nome de mulher no aplicativo do banco. Pra confirmar se o dinheiro ia pro lugar certo, perguntou:

– Fulana Sicrana de Tal? É isso mesmo?
– Sim- o motorista confirmou.- Esse é o meu nome antes da mudança de sexo.

Na hora, o cara congelou. Estava numa encruzilhada. Tanto podia ser uma piada do taxista como podia ser verdade. Como reagir? Seu instinto e criação nos anos 1980 apontavam para a primeira opção e o instigavam a mandar de pronto um carioquíssimo “ Tá certo, malandro… Fala sério!”. Suas leituras e últimas experiências diziam que ele corria o risco de ser insensível e acabar agindo de forma ofensiva ou até transfóbica. Por segurança, seguiu o segundo instinto, que, em geral, é sempre melhor que o primeiro.

– O banco não usa o nome social?- continuou o papo tentando fingir naturalidade.
– Não, o pior é que não. Tem uma burocracia qualquer que obriga eles a usarem o meu nome antigo- o motorista respondeu sem o menor tom de gaiatice na voz.

O cara fez o pix, saltou do táxi, mas esqueceu de dar uma olhada no motorista pra tentar resolver a sua dúvida. Por mais que a continuação da conversa tenha sido aparentemente séria, havia chances iguais de ser zoação do motorista ou não. Em vez de ir pra casa, aturdido, o cara veio aqui pro bar e compartilhou a história com a confraria.

A galera se dividiu: uma parte achava que era o nome da mulher ou namorada do taxista e ele aproveitou pra dar uma zoada; a outra achava que era verdade. Seja como for, todo mundo concordou que o cara agiu certo:

– Tem que respeitar as diferenças sempre, certo?
– Certo.

Nas semanas seguintes, vez ou outra, o assunto ainda surgia nos papos, e evoluía até o ponto em que alguém tentava encerrar a conversa proclamando:

– É um paradoxo. Um pa-ra-dó-kis-so.

Mas os mais chatos não largavam o osso e continuavam a querer discutir, explicando que a situação era igual ao paradoxo de Schrödinger, aquele do gato que está morto ou vivo ao mesmo tempo:

– Vejam só, o taxista, nesse momento, pode tanto ser só um zoador como também pode realmente ser uma pessoa trans. Ou melhor, nesse momento, ele é as duas coisas. Abrir essa caixa irá determinar uma realidade que, agora, é dupla. Vivemos em dois universos diferentes até essa dúvida ser sanada. Será que vale a pena ou temos motivo para abrir a caixa e resolver essa incerteza?

O cara, que vivenciou a história, e ouvia as discussões a distância, ficou feliz de ter tomado a decisão certa. Fosse o motorista trans ou zoador, ou mesmo um trans zoador, o cara, tinha certeza, escolheu a melhor opção.

– Tem que respeitar as diferenças sempre, certo? – repetia baixinho pra si mesmo.

Às vezes a melhor resposta ao paradoxo não é resolvê-lo, mas aceitá-lo. E o cara estava certo: isso faz uma bruta diferença.

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